DO
CARNAVAL
Episódio Nº 41
Toda a prostituta tem uma
tragédia, Jerónimo. Quer ver?
E Pedro Ticiano chamou a
mulher que passava.
- Minha filha, conte aqui
para nós, para mim e para este amigo que é o último romântico, como você veio
para esta vida, esta terrível vida que as mulheres casadas chamam de fácil…
Ela não se fez rogada. E
começou a contar, os olhos baixos, amassando com os dedos a ponta do casaco,
quase envergonhada.
Bonitinha aquela mulher!
Dois grandes olhos espantados e uma boca pequena onde brincava um sorriso fácil
de oferecimento. Nada de aristocrático. O tipo da camponesa bonita.
Tudo igual à das outras…
Vivia lá na Nazaré com os pais. Cozia. Ganhava até dinheiro. Um dia, um homem
rico e elegante que fora passear na cidade prometera-lhe casamento, casa
bonita, automóveis.
Naquele tempo ela ainda
acreditava nos homens. Depois, deixara-a perdida, odiada pela família. Viera
então para a Bahia. E aí estava a sua história. Igual às das outras…
- Vivendo a tragédia das prostitutas que
nasceram para mães de família. Em todo o caso, minha filha, você escapou de ter
sofrido uma tragédia muito maior, a de ter morrido virgem…
Jerónimo apertou as mãos.
Teve ódio de Ticiano. Aquele homem só vivia de gozar a desgraça dos outros. Um
miserável…
Pedro Ticiano afastava-se
lentamente. A rameira, parada, continuava mergulhada nas suas recordações. Tão
bonitinha! Jerónimo sem que Ticiano o visse, deu-lhe 20$000.
- Obrigado. O senhor é tão bom…
O bar estava cheio. Pelas
mesas espalhavam-se os bons burgueses trabalhadores que engoliam
voluptuosamente o seu chope. Ticiano falava alto, escandalizando um grupo de
políticos.
Recitava epigramas.
Pequenas caricaturas dos grandes talentos da Bahia. Um Bêbado entrou no bar.
Havia um pretexto para não dar a esmola. O homem iria beber cachaça…
Ticiano chamou-o. Deu-lhe
dez tostões.
- Toma desgraçado. Metade do que tenho agora
no bolso.
- Eu não vou beber, não senhor.
- Cale-se estúpido! Eu quero que você beba…
Tem de beber.
Você gosta de álcool, não
é? Então beba. A gente deve satisfazer sempre os nossos instintos… Eu gosto dos
bêbados porque são anticoncepcionais.
O ébrio, sem compreender,
saiu às cambalhotas.
- O homem então deve ser escravo do instinto?
– discordava José Lopes.
Você prefere ser das
convenções, não é?
Pedro Ticiano morava agora
com o filho. Piorara muito da vista e sentia um enfraquecimento geral. A morte
chegava. O espírito de Ticiano continuava o mesmo. Sempre o mesmo jornalista de
combate, o epigramista fino.
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