DO
CARNAVAL
Episódio Nº 52
E quase sempre terminava
por tomar o automóvel e ir para casa de Ticiano conversar.
Ticiano já não saía. Quase
completamente cego, mal podendo caminhar pela casa. Ajudava-o uma neta, garota
de treze anos que fugia mal avistava Paulo Rigger. Aqueles dois homens
conversavam muito. Pedro Ticiano, “blagueur”, ria da insatisfação de Paulo:
- Porque você não chega à religião, rapaz?
- Sei lá! Talvez chegue mesmo…
- Ora, Rigger, deixe isso. Procure viver para
a dúvida. Viver para o sofrimento. Para a própria insatisfação. Em vez de
combater a dúvida, adorá-la. Eu duvido de tudo.
- Até da dúvida?
- Principalmente da dúvida…
- Eu sei, Ticiano, que você achou a solução do
problema. Por que a guarda tão avaramente? Por que não no-la ensina?
- Eu tenho dito tantas vezes! A solução é não
querer solucionar…
- Blague…
- Então é…
Pouco se encontravam
ultimamente. Paulo Rigger ensimesmado, só procurava Ticiano. José Lopes,
bebendo muito, enterrado entre livros de filosofia, não trabalhava e mudava
constantemente de pensão.
Cada vez que saía de uma,
ia para outra pior. Magro, insatisfeito, odiando a vida, lia cada vez mais, a
ver se, entre as páginas de Kant e de São Tomás, encontrava a Felicidade.
- Só na filosofia…
Mas Ricardo Braz
discordava:
- Só no amor, no casamento…
E Ricardo Braz casou-se.
Paulo Rigger e José Lopes serviram de testemunhas. Paulo oferecera-lhe a
fazenda para passar a lua-de-mel. Depois iria para uma cidadezinha do interior
longínquo do Piauí.
Infeliz – murmurava
Ticiano.
Jerónimo Soares
libertava-se aos poucos da influência de Pedro Ticiano. Começava a ser feliz.
Passava as noites com a rameira que encontrara naquele dia com Pedro Ticiano.
Fazia projectos de morar
com ela na mais completa felicidade… Aparecia raramente. Mas, nos dias em que
visitava Ticiano, botava abaixo todos os seus sonhos ao ouvir as blagues do
amigo.
E pensava em ser como Pedro, um indiferente,
superior, mau, destruidor de ilusões.
À noite, porém, entre os
braços dela, esquecia Ticiano. E ao seu pensamento voltava a imagem de uma
casinha, muito amor, muito carinho, o sorriso bom dela, a mais completa
felicidade.
E lutava contra a
influência de Pedro Ticiano. Temia não poder vencê-la. Se não a vencesse, seria
infeliz toda a vida… nunca a realizaria os seus sonhos, nunca teria coragem de
ser feliz…
E Pedro Ticiano que achava
aqui lo tudo tão ridículo…
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