quarta-feira, março 20, 2013


O Papa Renuncia para Limpar o Vaticano


Umas semanas depois de regressar das suas viagens a Cuba e ao México, em Março de 2012, durante as suas férias em Castelo Gandolfo, Joseph Ratzinger assumou a um poço muito escuro que só os seus olhos estavam autorizados a ver.

Uma informação elaborada por três cardeais octogenários, sobre a fuga massiva de documentos secretos que sacudiu o Vaticano e que só terminou depois da detenção de Paolo Gabriel, o ajudante de câmara de Bento XVI.

Não se tratava de uma peça para encerrar o caso mas de uma investigação cheia de nomes e datas dos protagonistas das guerras do poder que desde há anos vêm sucedendo no Vaticano e das quais, o chamado caso Vatileask não era mais do que a sua escandalosa consequência.

Ao terminar a leitura da Informação, Bento XVI, tinha já todos os dados. Aos anjos caídos pode-se combater com a oração e o bom exemplo mas, contra os príncipes da Igreja é mais aconselhável uma espada de aço temperado e de um braço capaz de empunhá-la e ele já não tinha forças.

Dizem que foi por aquela época quando Bento XVI – um homem tímido, incapaz de uma confrontação directa mas um profundo conhecedor das intrigas do Vaticano – decidiu ir-se embora.

Na manhã de ontem, os quiosques de Roma deixavam claro que, para além da surpresa, a imprensa italiana e internacional ressaltava a coerência da decisão de Bento XVI.

A sua sinceridade ao reconhecer o seu cansaço, pedir perdão e ir-se embora. Numa cafetaria de Borgo Pio, o bairro das ruas estreitas, contíguas ao Vaticano, um diplomata acreditado na Santa Sé, colocava a sua atenção sobre um aspecto que não deixava de ser apelativo: “Se olharmos, com atenção, para a generalidade dos jornais, cada um, ao seu estilo, refere-se ao Papa como uma vítima das lutas pelo poder no Vaticano.

Há uns meses atrás, mesmo uns anos, quem abordasse o assunto do desgoverno da Igreja faziam-no culpando Ratzinger, a sua falta de carácter, a sua maneira equivocada de escolher os colaboradores.

Será feio usar esta palavra referindo-se a um Papa mas, pode-se dizer que com a sua renúncia, Josepf Ratzinger realizou a sua vingança perfeita.

Ele vai-se embora mas, com ele, caem todos os que lhe amargaram o papado e tornaram ingovernável o Vaticano.

Meia hora depois, na sede romana de uma congregação religiosa, com fortes ligações a Espanha, um prelado sorri com a interpretação:

 - “É algo malvada, própria de um não crente, inadequada num momento em que a única coisa que há a fazer é acompanhar o Santo Padre que se vai embora e prepararmo-nos para receber o Santo Padre que será eleito dentro de uns dias mas, devo dizer que ele não se furta à realidade.”

Uma realidade que pelo seu próprio carácter, só Ratzinger a conhece e talvez o único homem de sua confiança seja o seu Secretário Pessoal, desde 2003, monsenhor George Ganswein.

A decisão de Bento XVI – que quis deixar muito claro – que não era imposta pela enfermidade mas sim pela sua falta de vigor espiritual para continuar a governar a barca de Pedro - pode conduzir também à desmontagem de um organigrama de poder cada vez mais afastado das necessidades dos católicos mas que continua a satisfazer a voracidade da Cúria.

Cardeais confrontando-se entre si, instituições religiosa em luta por privilégios, um Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, que há muito tempo perdeu a confiança de um Papa que, para evitar o escândalo da substituição decidiu substitui-lo por si próprio.

Por outro lado, o assunto de novela dos «corvos» - os espiões, os traidores – deixou para um segundo plano um acontecimento de muito maior importância para entender que o Vaticano continua a ser um Estado mais obscuro do que qualquer outro.

Em Setembro de 2009, Ratzinger, nomeou o especialista em Finanças, Ettore Gotti Tedeschi, próximo da Opus Dei e representante do Banco Santander em Itália desde 1992, Presidente do Instituto das Obras para a Religião (IOR) o Banco do Vaticano.

 Segundo se disse então, a nomeação supunha um golpe de autoridade de Bento XVI, a última intenção de por em ordem as finanças da Santa Sé Vaticano, trazer luz para onde nunca a houve.

Basta recordar que o cardeal dos Estados Unidos, Paul Marcinkus e o escândalo do Banco de Deus dos anos setenta e oitenta, cujo culminar foram os assassinatos de Robert Calvi, responsável pela falência do Banco Ambrosiano e do banqueiro mafioso Michele Sindona, pertencentes ambos à Loja Maçónica P2.

Naquele Setembro de 2009, Gotti Tedeshi, que chegou ao Banco com a intenção de limpá-lo mas, antes de se completarem três anos, deu –se conta de que, efectivamente, aquele trabalho era muito perigoso.

Tanto que, na primavera de 2012, Gotti Tedeshi, elaborou uma informação secreta de tudo quanto havia visto nos últimos meses. Foi descobrindo que por detrás de algumas contas cifradas, escondia-se dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado” mas, não só. Como sustenta a fiscalização de Trapani (Sicília), também Mateo Messina Denaro, novo chefe dos chefes da Casa Nostra teria a sua fortuna a bom recato na IOR – Instituto de Obras Para a Religião – através de nomes fictícios.

Dizem que foi então quando Gotti Tedeshi que havia recebido o encargo do Papa como uma autêntica missão começou a ter medo. Um medo que o levou a arranjar uma escolta e a elaborar, folha por folha, uma carta que só viria à luz caso fosse assassinado.

Um medo que se acentuou quando, coincidindo com a detenção de Paolo Gabriele pela difusão de documentos secretos. Gotti Tedeshi foi então destituído do Banco do Vaticano.

A operação de derrube do amigo do papa levada a cabo pelos conselheiros do Banco e com a protecção do Secretário de Estado Monsenor Bertoni, incluía um “documento duríssimo que o demolia moral e profissionalmente ao dar a entender que ele estava envolvido no roubo de documentos ao Papa”, segundo explicou então Andrea Tornielli, um jornalista especializado em assuntos do Vaticano.

Não se trata, portanto, de desfazer a amizade com o Papa Tratava-se de destrui-lo. Daí que, quando por outros motivos, os agentes dos Carabinieri se apresentaram em sua casa, depois de ele já ter sido despedido, para um simples registo da casa, ele apanhou um susto enorme: “Há, sois polícias…” disse-lhes aliviado. “Pensei que vinham dar-me um tiro”

Os escândalos do Mordomo Mor infiel e do banqueiro despedido não acabaram sem consequências. Paoleto recebeu uma condenação simbólica e foi logo indultado e no julgamento ficou logo claro que se tratava de um acordo. Os silêncios foram mais eloquentes do que as palavras.

Também Gotti Tedeshi aceitou ser despedido em silêncio, “por amor ao Papa” e quando os fiscais e jornalistas italianos quiseram saber do conteúdo do documento secreto do banqueiro, uma nota do Vaticano os mandou calar e eles calaram…

Paoleto e Gotti são personagens pitorescos de uma história muito mais crua e obscura do que aquilo que o Papa viu quando se debruçou sobre as investigações dos três Cardeais octogenários.

Jornal El País



Nota –  Ratzinger, com quem não simpatizava, passou a ter a minha admiração. Não como católico, religioso ou simplesmente crente, que o não sou, como sabem os meus amigos do Memórias Futuras, mas como cidadão deste nosso mundo.

Com Francisco, na parte da doutrina da Igreja, irão os católicos continuar encerrados nos dogmas férreos que desde sempre caracterizam a Igreja Católica de Roma.
O acesso das mulheres ao sacerdócio continuará fora de questão, como se elas não fizessem parte da humanidade, e a proibição de casamento dos padres manter-se-à, como sempre foi, uma aberração e um atentado à própria natureza humana, fonte de “pecados” e de dolorosos sacrifícios “tão ao gosto” da Igreja.

Já quanto ao funcionamento, estrutura e saneamento da organização na sua sede do Vaticano, talvez aí outro galo venha a cantar.
De resto, só pode melhorar… 

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