Episódio Nº 20
Ainda tinha diante dos
olhos a figura de Joana, as lágrimas caindo, entrando pela boca. Depois ficou
amarrado no pé da mesa e aos poucos o gozo foi acabando. Então, como não tinha
o que fazer ficou brincando de matar formigas.
Um vizinho disse:
- Menino judeu… Esse acaba criminoso…
Não virou lobisomem. Porém
foi obrigado a lutar com uns dois garotos e a rebentar a cabeça de um terceiro
para conseguir recuperar o seu prestígio entre os moleques do morro.
Prestígio que ficara
seriamente abalado com ele não se ter conseguido transformar em assombração. Também
o outro lobisomem desapareceu, depois que Jubiabá fez uma reza forte na força
da lua cheia, de cima do morro, acompanhado de quase todos os habitantes.
Rezou com um ramo de
folhas, mandou que o bicho fosse embora, depois jogou o ramo na direcção em que
o lobisomem fora visto e a assombração voltou para o lugar de onde viera e
deixou em paz os moradores do Morro do Capa Negro. Nunca mais o lobisomem
voltou. Mas ainda hoje se fala dele nas conversas do morro.
Jubiabá, que ninguém sabia
quantos anos carregava no costado e que morava no Morro do Capa Negro muito
antes de lá haver qualquer outro daqueles habitantes, explicou a história do
lobisomem:
- Ele já apareceu muitas vezes. Já fiz ele ir
embora um bocado de vez…Mas ele volta e tem de voltar enquanto não pagar os
crimes que cometeu aqui em baixo. Ele há-de voltar
muitas vezes ainda…
- Quem é ele, pai Jubiabá?...
- Ah! ocês não sabe… Pois ele é senhor branco
que era dono de uma fazenda. Isso foi nos tempos passados, nos tempos da
escravidão de negro.
A fazenda dele ficava bem
aqui onde nós mora agora. Bem aqui . Ocês não sabem porque este morro se chama do
Capa Negro? Ah! ocês não sabe…Pois é porque esse morro era fazenda desse
senhor. E ele era homem malvado.
Gostava que negro fizesse
filho em negra para ele ganhar escravo. E quando negro não fazia filho mandava
capar negro… Capou muito negro… Branco ruim… Por isso esse morro é do Capa
Negro e tem lobisomem nele.
O lobisomem é senhor
branco. Ele não morreu. Era ruim demais e uma noite virou lobisomem e saíu pelo
mundo assustando gente.
Agora ele vive procurando
o lugar da casa dele que era aqui no
morro. Ele ainda quer capar negro…
- Deus t’esconjure…
- Ele que venha me capar que ele vai ver – Zé
Camarão ria.
- Negro que ele capou era avô, bisavô de nós…
Ele procura nós pensando que ainda somos escravos dele.
- Mas negro não é mais escravo…
- Negro ainda é escravo e branco também –
atalhou um homem magro que trabalhava no cais – todo pobre é ainda escravo.
Escravidão ainda não acabou…
Os negros, os mulatos, os
brancos baixaram a cabeça. Só António Balduíno ficou com a cabeça erguida. Ele
não ia ser escravo.
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