Episódio Nº 22
E com mais medo ainda
ficou quando o viu morto, com duas facadas no peito. Nunca se soube quem foi o
assassínio. Porém, um ano depois, certo dia, Balduíno estava correndo pela
ladeira quando um homem de calça rasgada e chapéu furado, cara de doente se
aproximou e perguntou:
- Oh! Menino mora aqui
um homem chamado Leopoldo? Um negro alto, sério…
- Já sei… não mora mais, senhor…
- Já se mudou?
- Não. Morreu…
- Morreu? De quê?
- De facada…
- Assassinado?
- Foi, sim senhor…
Olhou o homem…
- O senhor era parente dele?
- Quem sabe? Me diga, qual é o caminho da
cidade?
- O senhor não quer ir lá em cima saber mais
nada? Titia pode lhe dizer… E eu lhe mostro a casa onde seu Leopoldo morava…
Agora é de seu Zeca…
O homem tirou da calça
rota uma nota de qui nhentos reis e
deu a Balduíno.
Olha, garoto, se ele não
estivesse morto morria hoje…
E desceu a ladeira sem
esperar resposta. António Balduíno desceu correndo atrás do homem:
- O senhor não quer saber o caminho da cidade?
Mas o homem nem olhou para
trás. António Balduíno não contou este encontro a ninguém de tanto medo que
ficou. E em sonhos a imagem do homem de chapéu furado o perseguiu muito tempo.
Parecia que ele vinha de
muito longe e estava cansado. António Balduíno pensou que o olho da piedade
daquele homem tinha vazado.
Um, dois, três anos se
passaram naquela vida do morro. Os habitantes eram os mesmos, a vida a mesma.
Nada mudava. Só as dores de cabeça de Luísa aumentavam. Agora haviam passado a
ser quase diárias, pegando a negra logo que ela voltava da venda nocturna do
mungunzá e do mingau.
A negra ficava gritando,
botava os vizinhos para fora, vinha Jubiabá e cada vez demorava mais a curar as
dores de Luísa. A velha andava esqui sita:
chegava da rua furiosa, berrando, zangando por tudo, batia em Balduíno por
qualquer nada que ele fazia, e depois quando a dor melhorava, pegava no
sobrinho, botava no colo, catava cafuné na carapinha, chorava baixinho, pedia
perdão.
António Balduíno vivia
apalermado, sem entender. Achava a tia incompreensível, com aqueles acessos de
raiva e de carinho.
E nas brincadeiras, de
quando em vez, parava para pensar na tia, na dor de cabeça que a estava
matando. Sentia que em breve a perderia e isso confrangia o seu pequeno coração
que, no entanto, já estava tão cheio de amor e ódio.
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