JUBIABÁ
Episódio Nº 21
Não era muito popular no
morro o negrinho António Balduíno. Não que fosse pior que os outros. Brincava
com eles, jogava com eles futebol com bola feita de bexiga de boi, ia espiar as
negras mijarem no areal que ficava por detrás da Baixa dos Sapateiros, furtava
frutas nos tabuleiros, fumava cigarros baratos, dizia palavrões cabeludos.
Porém não era por estas
coisas que não gostavam dele. Não gostavam por que era quem pensava todas as
maldades que os garotos faziam no morro, saíam da cabeça dele todas as ideias
de brincadeiras esqui sitas, de
molequeiras inconfessáveis.
Não fora dele a ideia de
irem todos os moleques assistirem à festa do Bonfim? Saíram por volta das três
horas da tarde e até às três da manhã não haviam chegado.
As mães corriam aflitas de
casa em casa, algumas choravam, os pais saíram a procurar. Para os meninos é
que a aventura foi admirável: andaram a cidade quase toda, gozaram a festa até
ao fim, brincaram até cansar e só se lembraram de voltar quando já não aguentavam
mais de sono.
Haviam furtado tabuleiros
de negras que vendiam doces, tinham beliscado muita coxa de moça, tinham
brigado também.
Quando voltaram, já dia
claro, vinham amedrontados na certeza da surra. E diziam aos pais:
- Foi Balduíno quem me chamou…
Porém neste dia a velha
Luísa não bateu em
Balduíno. Alisou a cabeça do sobrinho dizendo:
- Eles foram por que qui s,
não é meu filho?
Também Jubiabá gostava de
António Balduíno. Falava com ele como se ele fosse homem. E o pretinho ia
tomando amizade ao macumbeiro.
Respeitava-o porque ele
sabia tudo e solucionava todas as questões entre os homens do morro. E curava
todas as doenças e fazia feitiços fortes e era livre, não tinha patrão nem
horário de trabalho.
Noite alta, certa vez,
gritos dolorosos de socorro espantaram a paz do morro. As casas se abriram,
homens e mulheres para a rua com os olhos meio fechados de sono. Era na casa de
Leopoldo.
Mas os gritos já tinham
acabado, só vinham gemidos baixinhos. Correram para lá. A porta de tábua de
caixão estava aberta, a tramela rebentada, e dentro Leopoldo estrebuchava com
duas facadas no peito. O sangue fazia poça em redor.
Leopoldo se suspendeu e
depois caiu para não levantar mais. Saiu uma golfada de sangue pela boca e
alguém meteu na sua mão uma vela acesa. Falavam em voz baixa. Uma mulher
começou a rezar uma oração de moribundos. E a casa se encheu aos poucos.
Era a primeira vez que
alguém entrava na casa de Leopoldo. Ele não queria ninguém lá. Homem de poucas
relações, não tinha intimidades e desde que se mudara para o morro nunca
visitara ninguém.
Só uma vez foi a casa de
Jubiabá e passou lá muitas horas. Mas ninguém soube o que ele disse ao pai de
santo.
Trabalhava de carpina e
bebia muito. Quando bebia na venda de seu Lourenço ficava ainda mais
sorumbático e dava sem motivo socos no balcão. António Balduíno tinha medo
dele.
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