EPISÓDIO Nº 30
Mas ele era um negro
valente e sabia mais do que outros. Um dia fugiu, juntou um bando de negro e
ficou livre que nem na terra dele.
Aí foi fugindo mais negro
e indo para junto de Zumbi. Foi ficando uma cidade grande de negros. E os
negros começaram a se vingar dos brancos. Então os brancos mandaram soldados
para matar os negros fugidos. Mas soldado não se aguentava com os negros. Foi
mais soldado. E os negros deram nos soldados.
António Balduíno tinha os
olhos abertos e tremia de entusiasmo.
- Aí foi um mundão de soldado, mil vezes maior
que o número de negros. Mas os negros não queriam mais ser escravos e quando
viam que perdiam, Zumbi, para não apanhar mais de homem branco se jogou de um
morro abaixo. E os negros todos se jogaram também…
Zumbi dos Palmares era um
negro valente e bom. Se naquele tempo tivesse vinte igual a ele, negro não
tinha sido escravo…
António Balduíno, naquele
dia em que morrera sua tia, encontrou um amigo para substituir a velha Luísa no
seu coração: Zumbi dos Palmares. Ele foi daí em diante o seu herói predilecto.
Tinha algumas consolações
aquela vida atrapalhada pelas encrencas de Amélia. Havia em primeiro lugar
Lindinalva que brincava com António Balduíno.
Ele era capaz de passar
horas e horas parado, olhando para o rosto de santa que ela possuía. Depois
tinha o cinema que foi para ele uma revelação. E ao contrário de todos os
meninos, sempre torcia nas fitas de cow-boy pelo índio mau contra o mocinho
branco.
O sentido de raça e de
raça oprimida, ele o adqui rira à
custa das histórias do morro e o conservava latente. Tinha também Zé Camarão
que agora vinha ensinar violão a uns rapazes que moravam no sobrado velho do
fim da rua, e que também dava aulas a Balduíno.
O trabalho em casa do
comendador não era grande: copeirava, lavava os pratos, ia às feiras, fazia
recados. O comendador até pensava em levá-lo para trabalhar na sua casa
comercial:
- Quero fazer alguma coisa por este negro –
Este preto é esperto, este diabo…
Com as surras António Balduíno
aprendera a ser dissimulado. Agora fumava escondido, dizia palavrões em voz
baixa, mentia descaradamente.
Pois foi aquela ideia do
comendador de melhorar a sorte de António Balduíno, dando-lhe um emprego na sua
casa comercial, com ordenado e possibilidades de fazer alguma coisa na vida,
que obrigou o negro a fugir.
Nesta época António
Balduíno já tinha qui nze anos e já
há três suportava o ódio de Amélia.
O caso que deu lugar à sua
fuga passou-se assim: quando o comendador anunciou num domingo que no outro mês
António Balduíno começaria a trabalhar no armazém, Amélia teve um acesso de
raiva.
Ela tinha verdadeiras
crises de ciúme, não podia compreender por que os patrões protegiam aquele
negro e queriam fazer dele gente.
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