Episódio Nº 8
Era por isso que ele
gostava tanto de Zé Camarão, um desordeiro que vivia sem trabalhar e que até já
era fichado na polícia como malandro.
Zé Camarão tinha duas
grandes virtudes para António Balduíno.: era valente e cantava ao violão
histórias de cangaceiros célebres. Tocava também coisas tristes, valsas e
canções, nas festas dos casebres no Morro do Capa Negra e em todas as outras
festas pobres da cidade nas quais era elemento indispensável.
Era um mulato alto e
amarelado eternamente gingando o corpo, que criara fama desde que desarmara
dois marinheiros com alguns golpes de capoeira.
Havia quem não gostasse
dele, que o olhasse com maus olhos, porém Zé Camarão passava horas e horas
ensinando aos garotos do morro o jogo da capoeira, tendo uma paciência infinita
com eles.
Rolava no chão com os
moleques, mostrava como se aplica um rabo de arraia, como se arrancava o punhal
da mão de um homem. Era amado pela garotada que o queria como a um ídolo.
António Balduíno gostava
de andar com ele, de ouvir o desordeiro contar casos da sua vida. E como já era
o melhor aluno de capoeira, queria também aprender violão.
- Você me ensina, Zé
Camarão?
- Deixa estar que eu ensino.
Levava recados para as
namoradas de Zé Camarão e o defendia quando diziam mal dele.
- É meu amigo. Por que não vai dizer na frente
dele? Tem medo, taí…
Zé Camarão era dos certos
na conversa em frente da porta da negra Luísa. Vinha gingando o corpo no seu
jeitão malandro e ficava de cócoras pitando um cigarro barato. Ouvia os casos,
as histórias, as discussões, sem falar.
Porém quando alguém
contava um caso que impressionava os ouvintes, Zé Camarão descansava o cigarro
atrás da orelha e falava:
- Hum! Hum! Isso não é nada comparado com um
caso que passou-se comigo…
E vinha uma aventura, uma
história cheia de detalhes para que ninguém duvidasse da sua veracidade. E
quando via nos olhos de algum assistente um sinal de dúvida o mulato não se
alterava.
- Se duvida, seu mano, pergunte a Zé Fortunato
que estava comigo.
Sempre havia alguém que
estivera com ele. Sempre uma testemunha ocular que não o deixava mentir. E em
todas as coisas de barulho que aconteciam na cidade, Zé Camarão estava metido,
pelo que se dizia.
Se conversavam sobre um
crime ele interrompia.
- Eu estava bem pertinho…
E contava a sua versão,
versão na qual ele tinha sempre um papel saliente. Mas, quando era preciso,
brigava de verdade. Que o dissesse o Lourenço da venda, que tinha na cara dois
talhos de navalha. Não qui sera ele,
espanhol sujo, botar Zé Camarão para fora da sua venda?
As cabrochas que ouviam as
conversas olhavam para ele. Gostavam do seu jeito de desordeiro, da sua fama de
corajoso, do modo imaginoso que ele tinha para contar um caso fazendo
comparações com elas e com coisas delas, o sorriso, os olhos, a boca vermelha,
e gostavam especialmente de vê-lo cantar no violão com a sua voz cheia.
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