Episódio Nº 35
O menino é macho, ninguém
bole nele…
- E se eu bulir?
António Balduíno sentia
que estavam todos do seu lado:
- Pois bula…
Levantou-se. O Sem Dentes
também. Pensava que se vencesse António Balduíno chefiaria os moleques. Ficaram
olhando um para o outro.
- Bata – disse o Sem Dentes.
António Balduíno arrumou o
soco. O Sem Dentes vacilou mas não caiu. Se atacaram, a molecada torcendo. O
Sem Dentes estava por baixo mas deu um jeito e se pôs em pé. Um soco de António
Balduíno o pôs novamente no chão.
Quando o Sem Dentes se
levantou vinha com um canivete aberto, brilhando no escuro.
- Covarde, não sabe brigar como homem…
O Sem Dentes veio com o
canivete, mas António Balduíno tinha aprendido capoeira com Zé Camarão no Morro
do Capa Negro. Jogou as pernas, o Sem dentes se estatelou no chão, o canivete
voou longe.
António Balduíno concluiu:
- Se bulir com o menino bole comigo… De outra
vez tomo o canivete…
O Sem dentes dormiu
sozinho numa porta. Filipe, o Belo, ficou definitivamente no grupo.
Era especialista em velhas. Mal aparecia
uma no princípio da rua, ele consertava o laço da gravata velha que nunca
abandonava, jogava fora a ponta do cigarro, metia as mãos nos bolsos fundos,
escondia a navalha e se aproximava muito triste. Falava baixinho:
- Bom dia, senhora. Eu sou um menino
abandonado, sem pai, sem mãe. Não tenho ninguém por mim... Tenho fome…Estou com
tanta fome…
Começava a chorar. Possuía
um talento especial para chorar na hora que queria. As lágrimas caíam, soluçava
alto:
- fome… mamãe… a senhora tem filho… tenha
pena… mamãe…
Ficava lindo chorando, o
rostinho redondo e alvo cheio de lágrimas, os lábios tremendo. Não havia mulher
que não dissesse.
- Coitadinho… Tão pequenininho… Já sem mãe…
Davam-lhe largas esmolas.
Três vezes foi convidado a morar em casas ricas de senhoras ricas. Mas amava a
liberdade das ruas e permanecia fiel ao grupo, onde já era elemento
respeitadíssimo, pois dos mais eficientes.
Até o Sem Dentes o tratava
com respeito quando ele voltava de junto de uma velha.
- Caiu com cincão…
A gargalhada dos moleques
estrugia pelas ruas, ladeiras e becos da cidade da Baía de Todos os Santos e do
Pai de Santo de Jubiabá.
<< Home