O GORDO, da canção dos ceguinhos, vem logo atrás do Baldo |
JUBIABÁ
Episódio Nº 34
O Gordo balançava as
banhas e estendia a mão suja, esperando a esmola que quase sempre vinha farta.
As mulheres davam sempre, umas por piedade daqueles filhos da rua, pensando nos
filhos que estavam no aconchego das casas.
Outras davam para se
livrarem do cerco dos moleques sujos que valiam como uma acusação. As mais
corajosas pilheriavam:
- Então, como é…São sete e tem aí mais de dez…
São órfãos e têm pai e mãe doente… ceguinhos e vêm tudo… Como é isto?
Eles não respondiam.
Apertavam mais o cerco e o Gordo voltava a cantar a cantiga monótona:
“Esmola para sete
ceguinhos…”
Nenhuma resistia. Os
moleques iam-se aproximando cada vez mais e perto do rosto elegante e pintado
das mulheres, ficava o rosto sujo e feio dos meninos. E era horroroso quando
todas abriam a boca para o coro.
O Gordo parecia um
professor e não parava a cantilena. As bolsas se abriam e as esmolas caíam na
mão que o Gordo retirava do peito. Abriam o cerco e o Gordo agradecia:
- A senhora vai ganhar um noivo bonito que vem
num navio…
Muitas sorriam, outras
ficavam tristes. E nas ruas e becos estreitos a gargalhada dos moleques,
gargalhada livre e feliz. Depois compravam maços de cigarros e bebiam tragos de
pinga.
Tinha um loiro. Era o mais
moço. Talvez não tivesse ainda dez anos. Um rosto redondo de santo de andor, o
cabelo encaracolado, as mãos ossudas, olhos azuis. Chamava-se Filipe e foi
apelidado de Filipe, o Belo.
Não possuía nenhuma
história a não ser que a mãe fazia a vida nos bordéis da Rua de Baixo, francesa
velha que um dia se apaixonara por um estudante. Formado ele fora para a
Amazónia. O filho se perdeu na rua e a mãe no álcool.
No dia em que engrossou no
grupo houve frege grande. É que enquanto dormiam espremidos na porta de um arranha-céus,
deitados em folhas de jornais, o Sem Dentes qui s
arriar as calças de Filipe, o Belo.
O Sem Dentes era um mulato
forte de seus dezasseis anos. Cuspia por entre os cacos dos dentes, moleque
malvado, abraçou Filipe e começou a baixar-lhe as calças. Filipe se estrebuchou
e gritou.
Acordaram todos. António
Balduíno esfregou os olhos e perguntou:
- Que frege é este?
- Ele está pensando que eu sou chibungo… Mas
não sou não – Filipe queria chorar.
- Por que você não deixa o menino em paz?
- Não é da sua conta. Eu faço o que quero…
Acho ele um bombonzinho.
- Pois olhe, Sem Dentes, quem bulir no menino
bole comigo…
- Você quer é comer o menino sozinho… Assim
não está direito.
António Balduíno se virou
para os outros garotos que estavam na dúvida:
- Vocês sabem que eu nunca qui s comer ninguém. Eu só gosto de mulher. Se o
menino fosse chibungo tá direito. Mas aí não ficava com a gente que a gente não
quer fresco aqui …
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