Episódio Nº 51
Já vai? – perguntou Joaqui m
- Vou pegar a saída do cinema.
Saiu se arrastando na
bengala, curvo, coberto de farrapos.
- Ele já se acostumou a
andar assim – disse Joaqui m.
- Por que é que ele só conversa coisas
tristes? – o Gordo não sabia, mas tinha pena porque era muito bom.
- Ele sabe mais do que a gente – afirmou
António Balduíno.
Na outra mesa um mulato de
pastinha explicava a um negro:
- Moisés mandou para o mar e atravessou com os
cristãos todos…
- Eu converso para me divertir – falou Joaqui m.
O Gordo se queixou:
- Ele não devia ter feito isso hoje que era
dia do meu aniversário…
- O quê?
- Contar coisa triste… Tirou toda a graça.
- Nada. Vamos fazer uma farra na casa de Zé
Camarão. A gente arranja umas morenas – convidou António Balduíno.
O Gordo pagou as despesas.
Na outra mesa o mulato contava a história do rei Salomão que tinha seiscentas
mulatas.
- Macho bom – disse António Balduíno soltando
uma gargalhada.
Fizeram a farra, se
entupiram de cachaça, amaram umas cabrochas bem bonitas, mas não conseguiram
esquecer Viriato, o Anão, que não tinha ninguém para tratar sua maleita.
Joana fazia cenas por
causa de outras mulatas, que eram amadas igualmente por António Balduíno.
Mulata que aparecesse na sua frente era mulata amigada com ele.
Na força dos seus dezoito
anos, fortes e malandros, criara um grande prestígio entre as cabrochas da
cidade, empregadas, lavadeiras, negrinhas que vendiam acarajé e abará.
Ele sabia conversar com
elas e terminava sempre por levá-las para o areal, onde se enroscavam, sem
sentir a areia que entrava pela carapinha.
Ele as amava e não as via
mais. Passavam pela sua vida como aquelas nuvens que passavam pelo céu e que
serviam para ele fazer as comparações com elas:
- Os olhos de você de tão pretos parecem
aquela nuvem…
- Chi! Vai chover…
- Então vamos para casa… Eu sei de um lugar
onde a gente fica bem abrigado.
Porém Joana tinha aquele
perfume no cangote. Se agarrava a ele, brigava quando sabia que o negro dera em
cima de uma cabrocha qualquer, dizem até que fez feitiço para que ele não a
abandonasse.
Tinha amarrado numa cueca
do amante penas de galinha preta, e uma farofa de azeite de dendê onde cinco
vinténs de cobre apareciam. Pôs tudo isso na porta de António Balduíno numa
noite de lua cheia.
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