Episódio Nº 54
MACUMBA
Foi feito despacho de Exu, para que ele
não viesse perturbar a boa marcha da festa. E Exu foi para muito longe, para
Pernambuco ou para África.
A noite caía pelos fundos das casas e
era aquela noite calma e religiosa da Baía de Todos os Santos. Da casa do pai
de santo Jubiabá vinham sons de atabaque, agogô, chocalho, cabaça, sons
misteriosos da macumba que se perdiam no pisca-pisca das estrelas, na noite
silenciosa da cidade. Na porta, negras vendiam acarajé e abará.
E Exu, como tinham feito o seu despacho,
foi perturbar outras festas mais longe, nos algodoais da Virgínia ou nos
candomblés do morro da Favela.
Num canto, ao fundo da sala de barro
batido, a orquestra tocava. Os sons dos instrumentos ressoavam monótonos dentro
da cabeça dos assistentes.
Música enervante, saudosa, música velha
como a raça, que saía dos atabaques, agogôs, chocalhos, cabaças.
A assistência, apertada em volta da
sala, junto à parede estava com os olhos fitos nos “ogans” que ficavam sentados
em quadrado no meio da sala. Em torno dos “ogans” gritavam as “feitas”.
Os “ogans” são importantes, pois eles
são sócios do candomblé e as “feitas” são as sacerdotisas, aquelas que podem
receber o santo.
António Balduíno era o “ogan”, Joaqui m também, mas o Gordo ainda não era e estava a
meio da assistência, bem junto de um homem, branco e magro, calvo, que espiava
a cena muito atento, procurando acompanhar a música monótona com pancadas nos
joelhos.
Do outro lado, um jovem negro de roupa
azul estava envolvido pela música e pelos cânticos, esquecido que tinha vindo
observar.
O resto da assistência era formada por
homens pretos, homens mulatos que se apertavam contra negras gordas, vestidas
com anáguas e camisas decotadas e colares ao pescoço. As “feitas” dançavam
lentamente, sacudindo o corpo.
De repente, uma negra velha que estava
encostada à parede da frente, perto do homem calvo, e que de há muito tremia
nervosa com a música e com os cânticos, recebeu o santo. Foi levada para a
camarinha. Mas como ela não era “feita” da casa, ficou lá até que o santo a
abandonou e foi pegar uma negrinha moça que também entrou para o quarto das
sacerdotisas.
O orixalá era Xangô, o deus do raio e do
trovão, e como desta vez ele tinha pegado uma “feita”, a negrinha saíu da
camarinha vestida com roupas de santo: vestido branco e contas brancas
pintalgadas de vermelho, levando na mão um bastãozinho.
A mãe do terreiro puxou o cântico,
saudando o santo:
«…
Endurô dêmin Ionan ê yê!
A assistência cantou em coro:
«… A umbó k’ó wá jô!
E a mãe do terreiro estava dizendo no
seu cântico nagô:
«… Abram alas para nós, que viemos
dançar»
<< Home