JUBIABÁ |
JUBIABÁ
Episódio Nº 53
Saíram correndo. Lá estava
na borda do cais. Um grupo de homens cercava o corpo. Devia ter passado uns
três dias na água pois inchara e crescera. Os olhos muito abertos pareciam
fitar o grupo. O nariz já andava meio comido e sentia-se dentro do corpo siris
que faziam um barulho esqui sito.
Pegaram o corpo e o
levaram para “A Lanterna dos Afogados”. Juntaram duas mesas e o botaram em cima. Os siris faziam
barulho por baixo da pele do cadáver. Pareciam chocalhos tocando. Seu António trouxe
uma vela do balcão para enfiar na mão do que já não abria. Joaqui m disse:
- Só cresceu depois de morto.
O Gordo estava rezando:
- Coitado! Não tinha
ninguém por ele…
Uns homens que bebiam
cachaça vieram ver. As mulheres olhavam e afastavam com medo. Seu António ainda
segurava a vela, pois ninguém tinha coragem de ir botar na mão do defunto.
António Balduíno pegou na
vela e se aproximou do defunto. Abriu a mão grossa do afogado e meteu a vela
dentro. Falou:
- Ele era sozinho, gente… Ele tava procurando
acertar com o caminho de casa e entrou pelo mar…
Ninguém entendia. Alguém
perguntou onde ele morava.
Jubiabá que vinha chegando
qui s saber:
- Boa noite pra ocês todos. O que foi?
- Ele tava, pai Jubiabá, procurando o olho da
piedade. Mas ele não achou nunca e se matou. Ele não tinha nem pai nem mãe, nem
ninguém para cuidar dele. Morreu porque não encontrou o olho da piedade…
Ninguém entendeu mas
tremeram quando Jubiabá disse:
- Ojú ànum fó ti iká, Li ôkú.
O Gordo contava com muitos
detalhes e de uma maneira muito triste a história de Viriato, o Anão, a um dos
homens que bebiam cachaça.
Segundo o Gordo, uma vez
Viriato, vira três anjos e uma mulher vestida de roxo que era sua mãe e o
estava chamando para o céu.
Aí se jogara n’ água.
De repente, nomeio de toda
aquela gente, António Balduíno se sentiu só com o cadáver e teve medo. Um medo
doido. Ficou tremendo, batendo os queixos.
Se lembrou de todo o mundo:
a sua tia Luísa que enlouquecera. Leopoldo que fora assassinado. Rosendo,
doente, gritando pela mãe, Filipe, o Belo, debaixo do automóvel, o velho
Salustiano se suicidando no cais, o corpo de Viriato, o Anão, cheio de siris
que chocalhavam.
E pensou que eram todos
eles muito infelizes, vivos e mortos. E os que nasceriam depois também. Só não
sabia porque eram tão infelizes.
O temporal apagou a luz da
“Lanterna dos Afogados”.
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