quinta-feira, junho 27, 2013

JUBIABÁ
JUBIABÁ

Episódio Nº 53

Saíram correndo. Lá estava na borda do cais. Um grupo de homens cercava o corpo. Devia ter passado uns três dias na água pois inchara e crescera. Os olhos muito abertos pareciam fitar o grupo. O nariz já andava meio comido e sentia-se dentro do corpo siris que faziam um barulho esquisito.

Pegaram o corpo e o levaram para “A Lanterna dos Afogados”. Juntaram duas mesas e o botaram em cima. Os siris faziam barulho por baixo da pele do cadáver. Pareciam chocalhos tocando. Seu António trouxe uma vela do balcão para enfiar na mão do que já não abria. Joaquim disse:

 - Só cresceu depois de morto.

O Gordo estava rezando:

- Coitado! Não tinha ninguém por ele…

Uns homens que bebiam cachaça vieram ver. As mulheres olhavam e afastavam com medo. Seu António ainda segurava a vela, pois ninguém tinha coragem de ir botar na mão do defunto.

António Balduíno pegou na vela e se aproximou do defunto. Abriu a mão grossa do afogado e meteu a vela dentro. Falou:

 - Ele era sozinho, gente… Ele tava procurando acertar com o caminho de casa e entrou pelo mar…

Ninguém entendia. Alguém perguntou onde ele morava.

Jubiabá que vinha chegando quis saber:

 - Boa noite pra ocês todos. O que foi?

 - Ele tava, pai Jubiabá, procurando o olho da piedade. Mas ele não achou nunca e se matou. Ele não tinha nem pai nem mãe, nem ninguém para cuidar dele. Morreu porque não encontrou o olho da piedade…

Ninguém entendeu mas tremeram quando Jubiabá disse:

 - Ojú ànum fó ti iká, Li ôkú.

O Gordo contava com muitos detalhes e de uma maneira muito triste a história de Viriato, o Anão, a um dos homens que bebiam cachaça.

Segundo o Gordo, uma vez Viriato, vira três anjos e uma mulher vestida de roxo que era sua mãe e o estava chamando para o céu.

Aí se jogara n’ água.

De repente, nomeio de toda aquela gente, António Balduíno se sentiu só com o cadáver e teve medo. Um medo doido. Ficou tremendo, batendo os queixos.

Se lembrou de todo o mundo: a sua tia Luísa que enlouquecera. Leopoldo que fora assassinado. Rosendo, doente, gritando pela mãe, Filipe, o Belo, debaixo do automóvel, o velho Salustiano se suicidando no cais, o corpo de Viriato, o Anão, cheio de siris que chocalhavam.

E pensou que eram todos eles muito infelizes, vivos e mortos. E os que nasceriam depois também. Só não sabia porque eram tão infelizes.


O temporal apagou a luz da “Lanterna dos Afogados”.

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