sexta-feira, junho 21, 2013

Será Deus um Consolo?
(continuação)  - Parte V

Inspiração

Esta é uma questão de gosto ou de opinião pessoal, o que tem a implicação algo infeliz de que a argumentação a que tenho de recorrer, neste caso, é retórica e não lógica.

No livro «Decompondo o Arco-Iris», tentei transmitir a ideia da sorte que temos por estarmos vivos, atendendo a que a imensa maioria das pessoas que potencialmente podiam vir a ser geradas pela lotaria combinatória do ADN nunca chegarão, efectivamente, a nascer.

Para os que têm a sorte de "estar aqui" procurei visualizar a relativa brevidade da vida imaginando um foco de luz fino como um lazer, deslizando ao longo de uma gigantesca escala temporal.

Tudo quanto está para trás ou para a frente do foco encontra-se envolto na escuridão do passado já morto ou na escuridão do futuro ainda desconhecido.

Temos uma sorte fabulosa por nos encontrarmos sob o foco. Por muito breve que seja o tempo que nos cabe ao sol, se desperdiçarmos um segundo que seja ou se nos queixarmos que ele é monótono, estéril ou enfadonho, não será isso uma insultuosa demonstração de insensibilidade para com os muitos milhões a quem nunca sequer será proporcionado viver?

Como muitos ateus já disseram, e melhor do que eu, o sabermos que só temos uma vida devia torná-la ainda mais preciosa. A atitude ateia é, por isso mesmo, uma atitude de afirmação e de promoção da vida ao mesmo tempo que não se deixa macular pela auto-ilusão, não toma os desejos por realidades, nem padece de auto comiseração birrenta própria daqueles que acham que a vida lhes deve alguma coisa.

Emily Dickinson, poetisa americana, disse:

Por não voltar jamais
É que é tão doce a vida

Se o desaparecimento de Deus deixar uma lacuna, as pessoas irão, cada uma, preenchê-la à sua maneira. A minha maneira específica passa por uma boa dose de ciência e por uma tentativa sincera e sistemática de descobrir a verdade acerca do mundo real.

Cada um de nós constrói, dentro da sua cabeça, um modelo do mundo em que se encontra. O modelo mínimo do mundo é o modelo de que os nossos antepassados precisaram para nele sobreviver.

O software de simulação foi construído e depurado pela selecção natural e é especialmente adequado ao mundo que era familiar aos nossos antepassados da savana africana: um mundo de três dimensões de objectos materiais de média dimensão, que se moviam a velocidades médias relativamente uns aos outros.

Numa espécie de bónus inesperado, verifica-se, afinal, que os nossos cérebros são suficientemente poderosos para dar resposta a um modelo do mundo muito mais rico do que o modelo medíocre e utilitário de que os nossos antepassados necessitaram para sobreviver.

A arte e a ciência são manifestações descontroladas, no bom sentido , desse bónus.

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