UM CONSOLO?
(Parte II)
Como pode a religião comparar-se, por
exemplo, à ciência, no que toca a estes dois tipos de consolo?
Olhando em primeiro lugar para o consolo
do tipo um, é completamente plausível que os fortes braços de Deus, mesmo sendo
puramente imaginários, consigam consolar tanto como os braços reais de um
amigo, ou um São Bernardo com um barril de aguardente à volta do pescoço.
Considerando agora o consolo do tipo
dois, é fácil acreditar que a religião possa ser extremamente eficaz. É
frequente as vítimas de grandes desastres, como por exemplo, terramotos,
afirmarem que lhes consola a ideia de que faz tudo parte do insondável plano de
Deus: não duvidam de que, em devido tempo, algum bem há-de vir da tragédia.
Para quem teme a morte, acreditar que
possui uma alma imortal pode ser consolador – a menos que esteja convencido de
que vai para o inferno.
As falsas crenças podem ser tão
consoladoras como as verdadeiras, até ao momento do desengano. O mesmo se
aplica às crenças não religiosas. Um homem com cancro terminal pode ser
consolado por um médico que lhe minta dizendo-lhe que está curado, com eficácia
igual a outro homem a quem seja dito, com verdade, que está curado.
A crença sincera e profunda na vida
depois da morte ainda é mais imune à desilusão do que a crença num médico
mentiroso. A mentira do médico só é eficaz até os sintomas se tornarem
inequívocos. Um crente na vida depois da morte nunca poderá, em última análise,
ser desenganado.
As sondagens sugerem que aproximadamente
95% da população do E. U. da América acredita que vai sobreviver à própria
morte. Mas eu pergunto-me, quantas pessoas religiosas e moderadas que dizem ter
tal crença a acalentam verdadeiramente no mais profundo do seu íntimo?
Se fossem realmente sinceras
comportar-se-iam todas como o abade de Ampleforth. Quando o cardeal Basil Hume
lhe disse que estava a morrer, o abade mostrou-se felicíssimo por ele:
-
“Parabéns! Que bela notícia. Quem me dera ir com Vossa Eminência”. Parece,
então, que o abade era um verdadeiro crente.
Por que motivo não dizem todos os
cristãos e muçulmanos algo de parecido com o que disse o abade quando ouvem que
um amigo está a morrer?
Quando um médico diz a uma mulher devota
que não lhe restam senão alguns meses de vida, por que razão não sorri ela em
emocionada antevisão como se tivesse acabado de ganhar umas férias nas
Seychelles? «Nunca mais chega a hora!» Por que razão é que os amigos crentes
reunidos à cabeceira para a visitar não a sobrecarregam de mensagens para os
que já partiram? «Dá saudades ao tio Alberto quando o vires…»
Porque não falam assim as pessoas
religiosas na presença dos que estão à beira da morte? Será que não acreditam
de facto nas coisas todas em que presumem acreditar? Ou talvez acreditem, mas
têm medo do processo de morrer. E com razão dado que a nossa espécie é a única
que não tem permissão de ir ao veterinário para que, de forma indolor, lhe
ponham fim ao sofrimento.
Richard Dawkins
(continua)
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