CONCAVADA
No Largo da Chã-da-Eira, onde dava xutos na bola, está agora um local de convívio. "Coisas" do meu irmão quando, após o 25 de Abril, foi Presidente da Junta de Freguesia.
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CONCAVADA - A aldeia dos meus
avós. Espaço de Vivos…
Tudo o que então
podia fazer a minha felicidade de rapaz ali estava. O Largo da Chã- da- Eira
onde dava chutos na bola contra a parede da velha capela, o rio Tejo que passava a
meia hora de caminho, nem tanto, local ideal para piqueniques, banhos e pescarias
e as longas tardes de verão para conversas amenas ou jogo de cartas…
Há anos voltei à
aldeia dos meus avós com o meu sobrinho e de novo percorri todas aquelas ruas,
a fonte onde as mulheres iam buscar água para beber , com a bilha à cabeça, pequenos largos, recantos, o local das tabernas,
comércio de então, lugares que de tão familiares eu parava para os cumprimentar
com o olhar… e eles até parecia que me falavam das pessoas com quem eu, em
jovem, por ali me cruzava, cada uma com o seu passo característico nas rotinas
próprias da hora do dia.
Para mim, era já uma
enorme lista de gente a que o meu sobrinho, ao meu lado, não tinha acesso - já
não eram do tempo dele - e com as quais, nas minhas mais recuadas memórias, me ia
encontrando como se tivessem sido avisadas por alguém da minha visita...
- “… Enxada
às costas, tamancos nos pés, calças arregaçadas, o meu tio Firmino lá vai regar
a horta, sempre composto, muito educado, bem apresentado, não fosse ele
alfaiate:
- “O Sr. Lopes (o meu pai era António
Lopes) arruma à esquerda ou à direita?” - perguntava-me ele, meio ajoelhado aos
meus pés, metro esticado, a tirar as medidas para as calças.
Eu não teria, então, mais que catorze
ou qui nze anos e o meu tio Firmino
foi a primeira pessoa que me tratou por senhor, o que me deixava um pouco
encabelado… eu era apenas um rapaz, um menino já crescido, mas o meu tio Firmino era um perfeito
cavalheiro, muito educado.
A minha tia, vinha à
porta e eu dava-lhe um beijinho como era próprio da educação das crianças da cidade, e ela
perguntava-me: - "Como estás?”
Eram pessoas de
expressão serena, palavras calmas, de vidas rotineiras, ao sabor e ritmo de uma
aldeia da província que há uns anos atrás tinha sido atravessada pela estrada
alcatroada que ia para as Beiras, o interior do país, e que na hora da passagem
da camioneta da carreira ganhava alguma agitação.
A camioneta parava,
exactamente, no Largo da Chã-da-Eira para despejar passageiros, fazer a entrega
do saco do Correio e seguir viagem até ao Gavião, uns qui nze
a vinte qui lómetros à frente, no
limite do Distrito.
O saco do Correio
era deixado na loja da minha prima Clementina responsável pela entrega das
cartas e ainda pelo único Telefone que era público.
Era um espaço social que ganhava vida às seis horas da tarde com a chegada da
camioneta e dos passageiros.
As pessoas, à falta do que fazer, encontravam-se
ali para ver quem chegava, dar dois dedos de conversa e de coscuvilhice e eu…
principalmente, para ver a Bia, moça mais velha, filha do Cabo de Ordens da
aldeia, que estudava na Faculdade de Letras em Lisboa, única universitária que
havia por aquelas paragens e que não nos passava cartão, a nós, miúdos do
liceu…
Mas era difícil
fugir ao seu poder de atracção, sempre muito bem arranjada, bonita, lábios
pintados rigorosamente de um encarnado vivo que lhe ia a matar com o seu
penteado de cabelos negros.
Assuntos arrumados, a
camioneta partia e lá ia a Bia, estrada fora, de regresso a casa no seu passo
elegante como se desfilasse numa "passerelle" mas melhor, muito melhor, sem
artificialismos parvos.
Ela sabia bem que
nos deixava a nós, rapazes, de olhar pendurado no seu corpo ondulante até que,
finalmente, desaparecia na curva. Voltaria amanhã ou no meu próximo sonho…
Tudo isto são imagens tão fortes na minha memória que embora sendo longínquas no tempo de uma vida,
permanecem de tal forma frescas e recentes que eu continuo a ver-me, passados sessenta
anos, a passar férias na aldeia dos meus avós…
Por isso, me custa a
envelhecer… compreendem?
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