terça-feira, agosto 27, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 95

Negro dava em cima que nem urubu em carniça… Mas tudo tinha medo do velho João que era feroz. Ele tinha dito que negro que roubasse a filha dele tava morto.

Mas, homem, eu não via cheiro de mulher fazia dois ano… Disse que morrer era besteira, que a gente só morre quando chega o tempo. Numa noite tava um chuvisquinho, eu chamei a Celeste para conversar.

O velho tava dentro da casa limpando a repetição. Ainda falou comigo se rindo… Eu não tinha tido ainda medo, tive naquela hora… Mas Celeste já vinha, eu não pude mais. Ali mesmo nuns mato que tinha perto derrubei a bicha…

Os homens estavam com os olhos baixos. António Balduíno riscava o chão com o punhal. Ricardo batia as mãos uma na outra, impaciente… O velho continuou:

 - Fazia dois ano que eu não sabia o que era mulher…

Ela ficou com o vestido todo rasgado… Eu fugi para esse mato de Deus, esperando o velho para me matar.

 - E depois?

 - No outro dia tomei coragem, fui lá falar com o velho João… Ele tava limpando a repetição e quando me viu encostou a bicha no chão. Eu sabia que ele me matava, mas eu queria andar com a Celeste de novo…

Peguei e disse a ele tudo. Falei que queria casar, que era um homem direito e  trabalhador.  Aí o velho fechou a cara, eu pensei, eu pensei que tinha chegado a minha hora.

Mas ele não fez nada, só que disse: «Isso tinha que acontecer… Aqui não tem mulher e homem precisa de mulher. Leve ela pra sua casa mas se case com ela».

Eu fiquei sem acreditar e João disse ainda: - «gostei de você vir contar tudo. Homem faz é assim». Depois chamou a Celeste e mandou que ela fosse comigo. E ficou limpando a repetição. Mas quando eu saí eu juro que ele tava chorando…

Os homens ficaram calados. O vento balançava os pés de tabaco, as folhas largas lembravam sexos estranhos de mulheres. Ricardo engoliu em seco e disse:

- Não sei como a gente pode trabalhar sem ter mulher…

Aqui só tem essas duas casadas…

- E a filha de sinhá Laura?

 - Eu casava com ela, se ela quisesse… - disse Ricardo.

António Balduíno enfiou o punhal na terra. Um negro alto afirmou:

 - Um dia eu chamo ela aos peitos, ela deixe ou não deixe…

- Mas é uma menina de doze anos – se espantou o Gordo.


Os montes atrás cobertos de neblina. A estrada de ferro que passava longe. De vez enquanto um trem que apitava com mulheres que davam adeus nas portinholas. A estrada onde os homens passavam levando sacos de frutas para as feiras, conduzindo burros carregados, levando bois para vender em Feira de Sant’Ana.

Ora seguravam sacos enormes com as mãos calosas, ora tangiam os burros ou conduziam os bois. Passavam boiadas, os vaqueiros cantando tristemente:

 - Ouuuuuu booiiii…


E as mãos que se baixavam para a terra, mãos grandes e calosas que colhiam as folhas cheirosas do tabaco. As mãos se baixavam e se levantavam num certo ritmo sempre igual.  

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