Episódio Nº 95
Negro dava em cima que nem
urubu em carniça… Mas tudo tinha medo do velho João que era feroz. Ele tinha
dito que negro que roubasse a filha dele tava morto.
Mas, homem, eu não via
cheiro de mulher fazia dois ano… Disse que morrer era besteira, que a gente só
morre quando chega o tempo. Numa noite tava um chuvisqui nho,
eu chamei a Celeste para conversar.
O velho tava dentro da
casa limpando a repetição. Ainda falou comigo se rindo… Eu não tinha tido ainda
medo, tive naquela hora… Mas Celeste já vinha, eu não pude mais. Ali mesmo nuns
mato que tinha perto derrubei a bicha…
Os homens estavam com os
olhos baixos. António Balduíno riscava o chão com o punhal. Ricardo batia as
mãos uma na outra, impaciente… O velho continuou:
- Fazia dois ano que eu não sabia o que era
mulher…
Ela ficou com o vestido
todo rasgado… Eu fugi para esse mato de Deus, esperando o velho para me matar.
- E depois?
- No outro dia tomei coragem, fui lá falar com
o velho João… Ele tava limpando a repetição e quando me viu encostou a bicha no
chão. Eu sabia que ele me matava, mas eu queria andar com a Celeste de novo…
Peguei e disse a ele tudo.
Falei que queria casar, que era um homem direito e trabalhador.
Aí o velho fechou a cara, eu pensei, eu pensei que tinha chegado a minha
hora.
Mas ele não fez nada, só
que disse: «Isso tinha que acontecer… Aqui
não tem mulher e homem precisa de mulher. Leve ela pra sua casa mas se case com
ela».
Eu fiquei sem acreditar e
João disse ainda: - «gostei de você vir contar tudo. Homem faz é assim». Depois
chamou a Celeste e mandou que ela fosse comigo. E ficou limpando a repetição.
Mas quando eu saí eu juro que ele tava chorando…
Os homens ficaram calados.
O vento balançava os pés de tabaco, as folhas largas lembravam sexos estranhos
de mulheres. Ricardo engoliu em seco e disse:
- Não sei como a gente
pode trabalhar sem ter mulher…
Aqui
só tem essas duas casadas…
- E a filha de sinhá
Laura?
- Eu casava com ela, se ela qui sesse… - disse Ricardo.
António Balduíno enfiou o
punhal na terra. Um negro alto afirmou:
- Um dia eu chamo ela aos peitos, ela deixe ou
não deixe…
- Mas é uma menina de doze
anos – se espantou o Gordo.
Os montes atrás cobertos
de neblina. A estrada de ferro que passava longe. De vez enquanto um trem que
apitava com mulheres que davam adeus nas portinholas. A estrada onde os homens
passavam levando sacos de frutas para as feiras, conduzindo burros carregados,
levando bois para vender em Feira de Sant’Ana.
Ora seguravam sacos
enormes com as mãos calosas, ora tangiam os burros ou conduziam os bois. Passavam
boiadas, os vaqueiros cantando tristemente:
- Ouuuuuu booiiii…
E as mãos que se baixavam
para a terra, mãos grandes e calosas que colhiam as folhas cheirosas do tabaco.
As mãos se baixavam e se levantavam num certo ritmo sempre igual.
<< Home