Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
Colocada desta forma, a questão
afigura-se nitidamente ignóbil. Quando uma pessoa religiosa me coloca o
problema desta forma (e muitas são que já o fizeram), a minha tentação imediata
é lançar o seguinte desafio:
-
«Quer mesmo dizer-me que a única razão que o leva a tentar ser bom é obter a
aprovação e recomendação de Deus, ou evitar a sua reprovação e castigo?»
-
«Isso, meu amigo, não é moralidade, é graxa, bajulação, um relance furtivo à
grande câmara de vigilância que nos vê do céu ou o fiozinho de escuta dentro do
seu ouvido a monitorizar-lhe todos os movimentos e os pensamentos mais torpes».
Vou recordar o que dizia Einstein:
- “Se as pessoas só são boas porque temem o castigo e esperam
recompensa, então somos mesmo uma boa cambada.”
Quem concordar que, na ausência
de Deus, seria capaz de «cometer assaltos, violações e homicídios» revela ser
uma pessoa imoral e o melhor será passarmos-lhe ao largo porque ela é
perigosa».
Mas se alguém admite que
continuaria a ser uma pessoa boa mesmo não estando sob a vigilância divina,
deita fatalmente por terra a sua pretensão de que Deus é necessário para que
sejamos bons.
Parece-me requerer muito
pouca auto-estima pensar que, se de repente a fé em Deus desaparecesse do mundo
tornar-nos-íamos todos pessoas egoístas e insensíveis, desprovidos de amabilidade,
caridade, generosidade, enfim, de tudo o que merecesse o nome de bondade.
Provavelmente, era assim que
Dostoievski pensava por causa das afirmações que colocou na voz do personagem Ivan
Karamazov, no seu livro “Os Irmãos Karamazov”:
- «Ivan, observou solenemente que não havia
absolutamente nenhuma lei na natureza que fizesse o homem amar a humanidade e
que, se o amor realmente existisse e tivesse existido no mundo até agora, isso
não se deveria à lei natural, mas unicamente à circunstância de homem acreditar
na sua própria imortalidade.
Acrescentou em jeito de
aparte que era precisamente isso que constituía a lei natural, a saber, que a
partir do momento em que a fé do homem na sua própria imortalidade fosse destruída,
se esgotaria não só a sua capacidade de amar, como também as forças vitais que
eram o sustentáculo da vida nesta terra. E mais ainda, que nada então seria
imoral, tudo sendo permitido, até a antropofagia. (…)»
Inclino-me, algo
ingenuamente, para uma visão da natureza humana menos cínica do que a de Ivan
Karamazov.
Precisaremos mesmo de policiamento
– seja por Deus, seja por nós próprios – para impedir que nos comportemos de
maneira egoísta e criminosa?
Quero sinceramente acreditar
que não preciso dessa vigilância – nem eu nem o meu caro leitor.
(continua)
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