segunda-feira, agosto 05, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 76


Pensou que era marinheiro e havia chegado a um porto estrangeiro. Um porto longínquo como estes que ele nos sonhos todas as noites. Porque todas as noites António Balduíno sonha que desembarca em terras de outros países.

As nuvens corriam pelo céu. Eram carneiros. Na cidade baixa não havia ninguém. Também era a primeira vez que ele sonhava assim acordado. A Baía já não era a Baía e ele não era mais o negro António Balduíno, Baldo, o boxeur, que ia às macumbas de Jubiabá e que apanhara de Miguez, o peruano

Que cidade seria aquela e ele quem seria? Para onde teria ido toda a gente conhecida? Olhou para o porto e viu o navio. Naturalmente já estava na hora de recolher e a bordo o esperavam.

Olhou a roupa de marinheiro, fez um bamboleio com o corpo e disse em voz alta:

- Vou para bordo…

Aí uma voz gritou:

- Hein?

Mas ele não ouviu e fitou de novo a cidade banhada pela luz alva da lua. Se lembrou da luta de boxe.

De repente veio lá de cima do morro uns sons de batuque. Uma nuvem escura cobriu a lua. Se apalpou, a roupa de marinheiro tinha desaparecido. Ele estava metido na calça branca com camisa de listas vermelhas.

O tantã aumentava no morro. Vinha como uma súplica, como um grito de angústia. Ele viu, então, que a cidade era novamente a Baía, que ele conhecia toda, ruas, ladeiras e becos e não um porto perdido de uma ilha perdida na vastidão do mar.

Era a Baía onde ele apanhara. Agora não olhava mais para as estrelas nem as nuvens. Não enxergava mais bandos de carneiros no céu. Para onde teriam ido os saveiros que fugiram para longe dos olhos de António Balduíno?

Apenas ouvia.

Eram sons de batuque que desciam de todos os morros, sons que do outro lado do mar haviam sido sons guerreiros, batuques que ressoavam para anunciar combates e caçadas. Hoje eram sons de súplica, vozes escravas pedindo socorro, legiões de negros de mãos estendidas para o céu.

Alguns daqueles pretos que já tinham a carapinha branca, guardavam nas costas marcas de chicote. Hoje as macumbas e os candomblés enviavam aqueles sons perdidos.

Era como uma mensagem a todos os negros, negros que na África ainda combatiam e caçavam, ou negros que gemiam sob o chicote do branco.

Sons de batuque que vinham do morro. Se dirigiam também angustiosos e confusos, sons religiosos, sons guerreiros, sons de escravos, a António Balduíno que estava estendido na areia do cais. Os sons lhe entravam pelos ouvidos e buliam com o ódio surdo que vivia dentro dele.

António Balduíno se rojava na areia desesperado. Nunca tivera uma angústia tamanha. O ódio que se revolvia dentro dele. Via filas de negros, via aquele marcado nas costas que ele conhecera na casa de Jubiabá. Via mãos calosas, batendo no chão, via negras terem filhos mulatos de homens brancos. Via Zumbi dos Palmares transformar o batuque de escravos em batuque de guerreiros.

Jubiabá, nobre e sereno, dizendo conceitos ao povo escravo. Via a si próprio se levantando contra o homem branco. Mas ele perdera a luta, tomara uma surra de Miguez, como um vendido.



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