terça-feira, agosto 13, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 83

Esse barulho que a água faz agora é o amor do mar e do rio. E o barulho que vem da mata, lá atrás, deve ser de alguma amante de padre, que morreu e virou mula sem cabeça e anda vagabunda por esses matos escuros que cobriam os túmulos dos negros escravizados.

O saveiro corre suavemente na água mansa do rio. No leme mestre Manuel fuma cachimbo. Aponta as coroas negras de pedra. A estrada não tem mistérios para ele.

António Balduíno acabou de cantar o seu samba que o Gordo já sabe de cor. Ele acha que é o samba mais bonito que António Balduíno já fez, pois fala em mulher, em malandragem, em estrelas. Pede:

 - Não venda mais samba, Baldo.

O negro ri. O saveiro vai pelo rio, correndo:

 - Ninguém se pega com ele – diz mestre Manuel acariciando o barco como se acariciasse uma mulher.

Vem um vento que empina as velas e refresca os homens. Do porão vem um cheiro de abacaxis maduros.


Mestre Manuel possui saveiro há muitos anos. António Balduíno era menino e foi naquela época que o conhecera e ao “Viajante sem Porto”.

No entanto, muito antes, mestre Manuel já viajava com o seu saveiro pelos portos do recôncavo, levando frutas para as feiras, trazendo tijolos e telhas para as construções da cidade nova.

Aparenta trinta anos. Ninguém lhe dará os cinquenta que trás no costado. Todo ele é de uma cor só, um bronze escuro, e é difícil dizer se mestre Manuel é branco, negro ou mulato.

É um marinheiro cor de bronze, isso sim, um marinheiro que raramente fala e que é respeitado em toda a zona do cais do porto da Baía, da Feira de Água dos Meninos, dos botequins do cais, dos botequins de todos os pequenos portos onde pára o seu saveiro. O Gordo corta o seu silêncio com uma pergunta:

- Você já salvou afogado, mestre?

Mestre Manuel abandona o cachimbo, estira as pernas:

 - Num dia de temporal, na boca da barra, um saveiro virou. O vento apagou as lanternas todas. Foi um dia terrível, parecia dia de juízo…

O Gordo se certifica que a noite em que vão está clara e amiga.

 - Eu vinha também navegando nesta noite, me aguentando no temporal. Minha lanterna também tinha se apagado, e ninguém enxergava tiquinho na frente dos olhos.

António Balduíno gosta da vida dos mestres de saveiro. Sorri. Mas mestre Manuel está sério. Puxou uma fumaça do cachimbo:

 - A gente via a luz da Baía. Parecia bem pertinho mas estava longe cada vez mais. A gente nunca chegava para perto dela. Nessa noite o mar andava brabo, tinha brigado com o rio.

Fez uma cara séria.:

 - É ruim quando o mar se zanga com o rio… Dá em tempestade…

 - E o saveiro?

Mestre Manuel parecia ter esquecido o saveiro:

 - Ia levando uma família que vinha das festas de Cachoeira. Eles tinham pressa em chegar e não ficaram para o navio que só tinha no outro dia. Os jornais falaram nisso…

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