(continuação)
BIÓLOGOS DISCUTEM ATÉ QUE PONTO EXISTE BENEVOLÊNCIA ENTRE OS SERES VIVOS.
por Jerônimo Teixeira
Na primeira metade do século passado, genética e
evolução foram combinadas no que os biólogos chamam de teoria sintética. E, a
partir dos anos 60, uma nova revolução científica deu a primazia absoluta ao
gene na luta pela sobrevivência. Essas pequenas secções do DNA são as unidades
replicadoras básicas. Graças à sua habilidade ímpar de produzir cópias de si
mesmos, os genes que você carrega em cada uma de suas células já estiveram
presentes nos seus antepassados e serão transmitidos a seus descendentes.
Você,
leitor, é só um recipiente transitório. Portanto, é no interesse do gene – e
não do indivíduo e muito menos do grupo – que a selecção natural opera. Os nomes
fundamentais dessa corrente são os biólogos George C. Williams, da Universidade
Estadual de Nova York, Estados Unidos, e William Hamilton, falecido em 2000,
considerado um dos maiores teóricos da evolução de todos os tempos.
Hamilton desenvolveu o conceito de selecção de
parentesco. Quando você come na casa de um parente, pode ter certeza de que
esse não é um free lunch: ele já está pago em moeda genética. Nossa
generosidade em relação aos parentes começa no DNA. Segundo a teoria de
Hamilton, o sacrifício por um parente compensa na proporção da semelhança
genética com ele. Assim, a aptidão reprodutiva de um indivíduo não se mede
apenas pelo número de filhos que ele consegue ter, mas também inclui parentes
próximos que carregam fracções de sua carga genética.
Você compartilha, por
exemplo, metade dos genes com seu irmão ou irmã (na verdade, todos nós
compartilhamos cerca de 90% do genoma, mas estamos considerando só os genes que
variam na espécie humana). Portanto, do ponto de vista evolutivo, vale a pena
se sacrificar por um irmão se o sacrifício custar a você no máximo a metade do
benefício que traz a ele.
A melhor síntese da teoria talvez esteja em um
gracejo do geneticista britânico J.B.S. Haldane, antecessor de Hamilton.
Perguntado se daria a vida por um irmão, Haldane respondeu:
-“Não, mas daria por
dois irmãos ou oito primos”.
Ainda mais feliz na síntese foi outro biólogo
inglês – Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, Reino Unido. Em 1976, o
título do seu livro O Gene Egoísta resumiu tudo o que a biologia mais recente
estava propondo. Na trilha de Williams e Hamilton, Dawkins enfatiza o papel
fundamental da genética na selecção natural. Para ele, nós somos apenas “máqui nas de sobrevivência”, robôs ao serviço dos genes
– e “nós” inclui todos os seres vivos, da bactéria ao físico quântico.
A imagem
do robô atraiu muita crítica. Nas edições mais recentes do livro, uma nota de
Dawkins esclarece que não somos controlados pelo nosso genoma. Sempre que
usamos um método contraceptivo, por exemplo, contrariamos o desígnio único do
gene: fazer cópias de si mesmo.
A despeito (ou por causa) de toda polémica, os
princípios expostos em
O Gene Egoísta tornaram-se, na expressão do próprio Dawkins,
“ortodoxia de manual”. Ou pelo menos é assim entre os cientistas, já que o
senso comum conservou ideias anteriores a Williams e Hamilton. Pergunte a um
amigo – que não seja biólogo, bem entendido – como funciona a selecção natural.
Provavelmente, lá pelas tantas ele vai falar em “perpetuação da espécie”.
Dawkins ensina que não é isso que está realmente em causa. Exemplo
cruel mas esclarecedor: quando um leão junta-se a um novo grupo de fêmeas, ele
muitas vezes mata os filhotes que elas tiveram com outros machos. Ele não está
minimamente interessado em perpetuar a espécie. Quer apenas que as leoas
estejam devotadas exclusivamente aos seus filhotes, herdeiros de sua preciosa
carga genética.
Carne Sexy
A teoria do gene egoísta pode parecer uma forma
desencantada de ver o mundo vivo. Ela contradiz não só as noções mais vulgares
(e simpáticas) de evolução que circulam por aí. Desafia também aquele papo "new
age" de viver em harmonia com a natureza, de entrar em sintonia com a mãe terra.
Pois é: nada disso tem sustentação na ciência de Williams, Hamilton e Dawkins.
A natureza não é harmónica e guarda tantos ou mais exemplos de egoísmo quanto
de altruísmo.
Tome os pinguins, por exemplo. Do alto das geleiras onde se
agrupam, é difícil discernir se há predadores - a foca leopardo - no mar abaixo. Se fossem
altruístas, cada um se ofereceria para pular primeiro e verificar se a barra
está limpa. Não é o que acontece: geralmente, um pinguim empurra o outro e vê
se a vítima não é atacada.
(continua)
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