quinta-feira, setembro 05, 2013

A EVOLUÇÃO DA BONDADE
(continuação)


BIÓLOGOS DISCUTEM ATÉ QUE PONTO EXISTE BENEVOLÊNCIA ENTRE OS SERES VIVOS.

por Jerônimo Teixeira



Na primeira metade do século passado, genética e evolução foram combinadas no que os biólogos chamam de teoria sintética. E, a partir dos anos 60, uma nova revolução científica deu a primazia absoluta ao gene na luta pela sobrevivência. Essas pequenas secções do DNA são as unidades replicadoras básicas. Graças à sua habilidade ímpar de produzir cópias de si mesmos, os genes que você carrega em cada uma de suas células já estiveram presentes nos seus antepassados e serão transmitidos a seus descendentes. 

Você, leitor, é só um recipiente transitório. Portanto, é no interesse do gene – e não do indivíduo e muito menos do grupo – que a selecção natural opera. Os nomes fundamentais dessa corrente são os biólogos George C. Williams, da Universidade Estadual de Nova York, Estados Unidos, e William Hamilton, falecido em 2000, considerado um dos maiores teóricos da evolução de todos os tempos.

Hamilton desenvolveu o conceito de selecção de parentesco. Quando você come na casa de um parente, pode ter certeza de que esse não é um free lunch: ele já está pago em moeda genética. Nossa generosidade em relação aos parentes começa no DNA. Segundo a teoria de Hamilton, o sacrifício por um parente compensa na proporção da semelhança genética com ele. Assim, a aptidão reprodutiva de um indivíduo não se mede apenas pelo número de filhos que ele consegue ter, mas também inclui parentes próximos que carregam fracções de sua carga genética. 

Você compartilha, por exemplo, metade dos genes com seu irmão ou irmã (na verdade, todos nós compartilhamos cerca de 90% do genoma, mas estamos considerando só os genes que variam na espécie humana). Portanto, do ponto de vista evolutivo, vale a pena se sacrificar por um irmão se o sacrifício custar a você no máximo a metade do benefício que traz a ele.

A melhor síntese da teoria talvez esteja em um gracejo do geneticista britânico J.B.S. Haldane, antecessor de Hamilton. Perguntado se daria a vida por um irmão, Haldane respondeu:  

-“Não, mas daria por dois irmãos ou oito primos”.

Ainda mais feliz na síntese foi outro biólogo inglês – Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, Reino Unido. Em 1976, o título do seu livro O Gene Egoísta resumiu tudo o que a biologia mais recente estava propondo. Na trilha de Williams e Hamilton, Dawkins enfatiza o papel fundamental da genética na selecção natural. Para ele, nós somos apenas “máquinas de sobrevivência”, robôs ao serviço dos genes – e “nós” inclui todos os seres vivos, da bactéria ao físico quântico. 

A imagem do robô atraiu muita crítica. Nas edições mais recentes do livro, uma nota de Dawkins esclarece que não somos controlados pelo nosso genoma. Sempre que usamos um método contraceptivo, por exemplo, contrariamos o desígnio único do gene: fazer cópias de si mesmo.

A despeito (ou por causa) de toda polémica, os princípios expostos em O Gene Egoísta tornaram-se, na expressão do próprio Dawkins, “ortodoxia de manual”. Ou pelo menos é assim entre os cientistas, já que o senso comum conservou ideias anteriores a Williams e Hamilton. Pergunte a um amigo – que não seja biólogo, bem entendido – como funciona a selecção natural. Provavelmente, lá pelas tantas ele vai falar em “perpetuação da espécie”.

Dawkins ensina que não é isso que está realmente em causa. Exemplo cruel mas esclarecedor: quando um leão junta-se a um novo grupo de fêmeas, ele muitas vezes mata os filhotes que elas tiveram com outros machos. Ele não está minimamente interessado em perpetuar a espécie. Quer apenas que as leoas estejam devotadas exclusivamente aos seus filhotes, herdeiros de sua preciosa carga genética.


Carne Sexy

A teoria do gene egoísta pode parecer uma forma desencantada de ver o mundo vivo. Ela contradiz não só as noções mais vulgares (e simpáticas) de evolução que circulam por aí. Desafia também aquele papo "new age" de viver em harmonia com a natureza, de entrar em sintonia com a mãe terra. Pois é: nada disso tem sustentação na ciência de Williams, Hamilton e Dawkins. A natureza não é harmónica e guarda tantos ou mais exemplos de egoísmo quanto de altruísmo.

Tome os pinguins, por exemplo. Do alto das geleiras onde se agrupam, é difícil discernir se há predadores - a foca leopardo - no mar abaixo. Se fossem altruístas, cada um se ofereceria para pular primeiro e verificar se a barra está limpa. Não é o que acontece: geralmente, um pinguim empurra o outro e vê se a vítima não é atacada.
(continua)


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