Episódio Nº 107
Acorda com os passarinhos
que trinam. Olha tudo em redor e não compreende como se encontra ali e não num
girau nas plantações. Mas a sede que aperta a sua garganta e o talho que dói no
rosto lembram-lhe os factos da véspera.
Ele está encurralado numa
capoeira, ele matou um homem na véspera. E está com sede, uma sede doida. O
rosto inchou durante a noite. Passa a mão no talho:
- Espinho venenoso… Ainda essa porcaria…
Fica de cócoras pensando
no que fazer. Talvez tenham deixado pouca gente no cerco durante o dia… O rosto
dói. Tem sede. Sai de mansinho evitando outros espinhos e evitando fazer
barulho.
Agora com a claridade do
dia se orienta melhor. A estrada está à sua direita. Mas ele se dirige para a
picada que deve ter menos gente. Se não fosse a sede ele não se importaria. Não
sente fome agora. Só que o estômago está doendo. Mas é suportável.
A sede é que é ruim,
parece que aperta a garganta como uma corda. Não ele precisa de passar nem que
seja para ser preso. Já não pode de sede. Pode lutar até que lhe dêem um tiro
que acabe com aqui lo.
Engraçado é que ninguém
gostava de Zéqui nha e todos gostavam
dele. Mas o patrão mandou, com certeza, e quem não for cercar o criminoso será
despedido do trabalho… Se tiver gente na picada vai haver briga… Ele vai morrer
mas levará um…:
- Um vai com eu…
Ri tão alto que parece
alegre. E está alegre sim, porque resolveu acabar com aqui lo
e lutar pela vida. A coisa que ele mais ama é brigar. Só agora é que o sente.
Nasceu para brigar, para matar e um dia morrer com um tiro pelas costas, de uma
navalhada talvez.
Os que voltarem contarão
que ele morreu como homem macho de verdade, com a navalha na mão. E quem sabe
se não contarão aos filhos e aos amigos a história de António Balduíno que foi mendigo,
boxeur, fazedor de sambas, desordeiro, que matou um homem por causa de uma
menina, e que morreu na frente de vinte, mas se defendendo’ Quem sabe?
Depara com a poça de água,
bebe em grandes goles e lava a ferida do rosto.
Água! Água! E ele que nunca
tinha reparado como a água era gostosa! Melhor que cerveja, melhor que vinho,
melhor mesmo que cachaça. Que o cerquem agora, que o deixem encurralado como um
cão. Que lhe importa!
Tem água para beber e para
lavar a ferida do rosto que dói e está inchado. Se estira à beira da poça, e
descansa confiante, sorridente, feliz. Durante a noite, com a escuridão ele não
vira as poças de água. São várias, água barrenta, suja, mas gostosa como quê.
Passa muito tempo deitado,
matutando. Quando fugir para onde irá? Poderá entrar pelo sertão, se acoitar
numa fazenda, tratar de bois. Tem tanto assassino por aí… Se o perseguissem
muito entraria num bando de cangaceiros e iria viver aquela vida que ele sempre
admirou.
O pior é que agora está
sentindo fome. Talvez encontre alguma fruta como encontrou água. Sai pelo mato
examinando as árvores. Não encontra nada. Mas pelo correr do dia talvez mate um
animal e o coma. Ele tem fósforos, fará fogo.
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