segunda-feira, setembro 23, 2013

Para lareira tem lenha a mais a queimar...
Ao Calor de

Uma Fogueira


O controle do fogo, oriundo dos céus, foi a primeira grande inovação técnica do homem há cerca de 550.000 anos. Tão importante que a evolução da nossa espécie não teria sido possível sem esse enorme avanço que lhe abriu as portas do futuro e lhe permitiu acreditar nas suas capacidades.

Sem o fogo, as noites dos nossos antepassados teriam continuado a ser de pesadelo, à mercê das feras, primeiro empoleirados nas árvores, mais tarde protegidos por arbustos espinhosos, saliências rochosas e muito dificilmente em grutas escuras e frias.

Por esta altura éramos muito poucos, algumas centenas de milhar de indivíduos em todo o mundo, extraordinariamente dispersos e com uma duração média de vida que não ultrapassaria os 20 ou 25 anos.

À volta de uma fogueira a vida social estruturou-se, os laços familiares estreitaram-se e o que seria o dia de amanhã ganhou mais consistência.

Domesticar o fogo terá sido, com certeza, um objectivo perseguido com grande determinação, muitas frustrações, dissabores e acidentes diversos à mistura.

Qualquer um de nós que tenha um fogão de sala ou uma lareira deveria ter um pensamento para esses nossos antepassados quando, nas noites de Inverno, acende a lareira recorrendo com toda a facilidade às acendalhas que comprou no supermercado e mesmo hoje, no conforto das nossas casas. é sentido como o crepitar das chamas da fogueira nos transmite bem-estar, tranquilidade, paz e intimidade.

Os restos mais antigos do que poderia ser uma lareira foram descobertos na gruta da Escale, em França, datados de há 750.000 anos, mas vestígios de lareiras realmente estruturados que sem qualquer espécie de restrições podem ser atribuídos ao homem, só a partir de há 500.000 anos na Europa ou ainda na Ásia e mais tarde nas regiões tropicais de África onde o frio causava menos problemas.

O homem que primeiro utilizou o fogo denominá-lo de Herectus e essa utilização foi certamente muito anterior à descoberta da técnica para o produzir. Primeiramente, seria simplesmente apanhado durante um acidente natural, um raio ou um vulcão e depois transportado, mantido e vigiado e não admira nada que se tivessem registado confrontos violentos entre quem o tinha, para o defender, e de quem o procurava, para o roubar.

Estas lareiras são caracterizadas pela presença de uma camada de cinzas, muitas vezes circunscrita por um muro baixo de pedras onde se encontraram fragmentos de ossos queimados que revelam que os nossos antepassados aprenderam a utilizar o fogo não só para se iluminarem, aquecer e defender das feras, como também para confeccionar os alimentos.

O domínio da técnica do fogo com consequências decisivas no processo evolutivo da nossa espécie é contemporâneo do aumento evidente do volume do cérebro que por sua vez acompanhou a evolução constante das técnicas utilizadas na confecção dos utensílios de pedra cada vez mais numerosos, eficazes e também mais elegantes, facto que pode traduzir um desejo novo de procura estética com uma nova cultura que se sobrepõe à simples técnica.

Aprender a fazer fogo resultou da observação ao perceberem que ele aumentava pelo aquecimento de galhos ou folhas secas o que lhes permitiu concluir que a chama poderia ser iniciada com temperaturas elevadas. Desta forma, descobriram que o atrito entre dois paus de madeira aumentava a temperatura e produzia a chama que depois poderia ser activada com a ajuda de pequeninas palhas secas e um ligeiro sopro.

 Mas eles observaram também que o choque entre duas pedras produzia faíscas e que se colocassem galhos ou folhas secas junto dessas faíscas conseguiam obter fogo.

Esta técnica veio até aos nossos dias com os isqueiros de pederneira de que ainda me lembro muito bem nas mãos dos velhos fumadores da aldeia dos meus avós.

Os nossos antepassados tinham tendência para adorarem tudo de que dependiam as suas vidas e o fogo, pela sua importância, era considerado sagrado e tributavam-lhe danças em sua homenagem.

Mais tarde, ao longo da história, os homens viriam a dançar por muitas outras coisas… mas a primeira dança, a que abriu caminho a todas as outras foi sem dúvida a do fogo considerado símbolo divino da vida.

Foram muitas as alterações que o domínio do fogo proporcionou para a evolução da nossa espécie, principalmente a sua utilização na confecção dos alimentos.

- Ao deixar de comer carne crua sofremos mudanças ao nível dos maxilares e dos dentes, da forma do rosto e do aparelho digestivo que, por sua vez, provocaram alterações no aparelho vocal e o homem que era Herectus passou a ser Sapiens Sapiens:

- As cavernas passaram a ser iluminadas e podiam aquecer-se nas noites frias tornando a vida mais fácil e agradável;

- O fogo facilitou a vida em grupo e melhorou as relações de convivência das primeiras comunidades;

- Como conviviam mais passaram da fase dos gestos à fase da comunicação através de sons articulados e de palavras desenvolvendo a própria linguagem;

- Os instrumentos utilizados na caça e na pesca foram aperfeiçoados, começaram a trabalhar as pontas das setas, endireitaram as armas de arremesso, fabricaram instrumentos para a guerra e começaram a caçar mais e variados animais;

-Defendendo-se melhor das feras que os cercavam diminuíram a mortalidade precoce aumentando, por conseguinte, os níveis populacionais;

- Melhor alimentados, o organismo tornou-se mais forte no combate às doenças e por isso viveram mais anos.

Para que tudo isto fosse possível nenhuma outra técnica foi tão decisiva como aquela que nos permitiu produzir e controlar o fogo. Sem ela, pelo menos esta humanidade não existiria.

A sensação de bem-estar, conforto e intimidade eu a recolhi junto de um fogo, nas noites de inverno, nas férias de Natal em casa da minha avó, sentado à chaminé naquelas cadeiras de palhinha, pequenas, que faziam parte do mobiliário de todas as casas das aldeias do interior do nosso país.

Mas essas noites, junto à lareira, podiam também ser muito saborosas se a chaminé estivesse equipada com o fumeiro por alturas da matança do porco. Nada como uma linguiça desses tempos, temperada e feita pelas mãos "mágicas" da Srª Maria, que propositadamente levavam menos sal que os chouriços, para acabarem logo assadas sobre as brasas... 

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