quarta-feira, outubro 23, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 144


O “Viajante Sem Porto” entrou no cais debaixo do aguaceiro. Maria Clara prepara um café para eles. Partirão logo à noite, mal o saveiro esteja carregado.

O urso fica amarrado no porão. Mestre Manuel dá notícias do Gordo que voltou a vender jornais e enterrou a avó. Jubiabá continua vivo a fazer feitiços e a presidir a macumbas.

Joaquim é visto diariamente na “Lanterna do Afogado” com Zé Camarão. António Balduíno quer notícias de todos os conhecidos e também da cidade, do cais, dos navios que chegam e partem. Novamente ele vai para o mistério do mar.

Quando ele fugiu - tinha apanhado uma surra tremenda do peruano Miguez -  não sabia rir mais. Andava com a cabeça atravancada com as histórias de Jubiabá, com a vergonha da surra que tomara, com o fim da sua carreira como boxeur, com o noivado de Lindinalva.

Agora sabia rir de novo e iria com certeza gostar das histórias trágicas de Jubiabá. Porque na sua fuga de dois anos vira muita miséria. A sua gargalhada tem hoje um tom cruel. E no seu rosto há um talho. Foram os espinhos da noite do cerco.

Mestre Manuel pergunta pela história daquele talho. Maria Clara fica espiando no fundo. António Balduíno conta e pensa no mar, nos guindastes do cais, nos navios negros que partem na noite.


Foi numa noite assim de temporal que Viriato entrou pelo mar a dentro. Os siris habitaram o seu corpo e chocalhavam. Também o velho Salustiano foi procurar no mar o caminho de casa. E uma mulher que se jogara no mar com uma pedra no pescoço?

O saveiro balança nas águas. Na vinda António Balduíno pensara em jogar o bote em cima das coroas de pedra. Hoje ninguém vê as coroas. As águas taparam tudo e Mestre Manuel não cederia o leme a ninguém.

Seria rápido. O saveiro bateria numa coroa acabaria a conversa entre Maria Clara e Rosenda Rosedá. (Maria Clara tem os cabelos em desordem atirados pelo vento e deles vem um perfume do mar. Talvez ela nunca tenha habitado numa casa, talvez seja filha do mar).

O cachimbo de Manuel se apagaria. E as águas do rio cobririam tudo que o rio está cheio e chega a fazer ondas como se fosse o mar.

Mas mestre Manuel não cede o leme a ninguém. O vento sacode as árvores nas margens. Muito ao longe brilha a lanterna de outro saveiro. Na escuridão dos matos os vagalumes piscam.

O vento carrega o saveiro que voa sobre as águas como uma lancha a gasolina. Nesse momento, no meio do temporal, eles estão bem perto da morte. Um desvio do leme e eles se jogarão sobre as coroas de pedra que estão invisíveis.

António Balduíno vai de papo para o ar, pensando estas coisas. No céu não vê nenhuma estrela, somente nuvens negras e carregadas correm açoitadas pelo vento.

De Maria Clara vem este cheiro de maresia. E o mar está próximo. O saveiro está chegando na boca da barra. As margens do rio vão ficando para trás, os povoados dormem sem luz.


António Balduíno pensa que afinal a vida é besta, que não vale a pena viver. Viriato, o Anão, sabia destas coisas. E a estrada do mar é larga. Hoje é larga e revolta. O dorso verde do mar se agita. Também é um convite.

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