Episódio Nº 145
Ele, negro valente e
decidido, desde criança pensara em ter um A B C que contasse aos outros negros
a sua história cheia de lances de coragem.
Se ele fosse engolido
agora pelas águas, não contariam a sua história. Um negro valente não se mata a
não ser para não se entregar à polícia. E um homem de 26 anos ainda tem muito
para viver, ainda tem que brigar muito para merecer um A B C.
Mas o mar é um convite.
Ali está o caminho de casa. Vem de Maria Clara um cheiro de maresia. Ela fala
do mar, conta casos acontecidos com mestres de saveiros, histórias de
naufrágios e de mortes.
Fala em seu pai que foi
pescador e desapareceu numa jangada no meio do temporal. Dela vem o cheiro do
mar. Nela o mar está sempre presente, é amigo e inimigo e já se incorporou
nela.
No negro António Balduíno
nada se incorporou. Já foi tudo e não é nada. Sabe que luta e precisa de lutar
ainda mais. Porém tudo isto muito esfumadamente dentro dele.
A sua luta é uma luta
perdida. Ele o sente nos nervos que afrouxaram. Como se desse socos no ar. E
agora o mar o chama, como na vinda o chamavam os lábios de Maria Clara.
Mestre Manuel aponta. Ao
fundo aparecem as luzes da Baía. O vento voa em redor das suas cabeças. E traz
todo o perfume de mar que está no corpo de Maria Clara. As luzes da Baía
faíscam como uma salvação.
Rosenda Rosedá ficou na
casa do Gordo. Jubiabá veio de noite e eles beijaram sua mão. O negro velho se
acocora a um canto. A luz do fifó bate em cheio na sua cara enrugada.
Na casa do Gordo não tem
luz eléctrica. O Gordo sorri na alegria de ver o amigo. Todos ouvem as
histórias de António Balduíno.
O urso dorme a um canto. E
resolvem que no outro dia irão todos para a feira de Água dos Meninos, para ver
se ganham algum dinheiro com o trabalho do urso.
Descem para a “Lanterna
dos Afogados” onde se embriagam. Depois António Balduíno leva Rosenda Rosedá
para o areal e a ama diante do mar.
Mas ela se queixa da areia
que se meteu no seu cabelo alisado a ferro. O negro ri com gosto. O vulto dos
guindastes no cais.
A feira das Águas dos
Meninos começa na noite de sábado e se estende pelo Domingo até ao meio-dia.
Porém na noite de sábado é que é bom. Os canoeiros atracam as suas canoas no
Porto da Lenha, os mestres de saveiro deixam os seus barcos no pequeno porto,
homens chegam com animais carregados, as negras vêm vender mingau e arroz doce.
Bondes passam perto cheios
de gente. Todo o mundo vem à feira de Água dos Meninos. Uns vêm para comprar
mantimentos para a semana, outros vêm pelo prazer do passeio, para comer
sarapatel, para tocar violão, para arranjar mulher.
A feira de Água dos
Meninos é uma festa. Festa de negro, com música, violas, risadas e brigas. As
barracas se estendem em
filas. Porém a maior parte das coisas não está nas barracas.
Está em grandes cestos, em caçuás, em caixotes.
Camponeses de chapéu largo
de palha, sentados ao lado, conversam animadamente com os fregueses. Raízes de
macheira e de inhame, montes de abacaxis, laranjas e melancias.
Tem todas as espécies de
bananas na feira da Água dos Meninos. Tem de tudo na feira. Um homem que tira
sorte com um periquito. Custa duzentos reis cada sorte. Rosenda Rosedá tirou a
sua. Dizia o seguinte:
<< Home