quinta-feira, outubro 24, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 145


Ele, negro valente e decidido, desde criança pensara em ter um A B C que contasse aos outros negros a sua história cheia de lances de coragem.

Se ele fosse engolido agora pelas águas, não contariam a sua história. Um negro valente não se mata a não ser para não se entregar à polícia. E um homem de 26 anos ainda tem muito para viver, ainda tem que brigar muito para merecer um A B C.

Mas o mar é um convite. Ali está o caminho de casa. Vem de Maria Clara um cheiro de maresia. Ela fala do mar, conta casos acontecidos com mestres de saveiros, histórias de naufrágios e de mortes.

Fala em seu pai que foi pescador e desapareceu numa jangada no meio do temporal. Dela vem o cheiro do mar. Nela o mar está sempre presente, é amigo e inimigo e já se incorporou nela.

No negro António Balduíno nada se incorporou. Já foi tudo e não é nada. Sabe que luta e precisa de lutar ainda mais. Porém tudo isto muito esfumadamente dentro dele.

A sua luta é uma luta perdida. Ele o sente nos nervos que afrouxaram. Como se desse socos no ar. E agora o mar o chama, como na vinda o chamavam os lábios de Maria Clara.

Mestre Manuel aponta. Ao fundo aparecem as luzes da Baía. O vento voa em redor das suas cabeças. E traz todo o perfume de mar que está no corpo de Maria Clara. As luzes da Baía faíscam como uma salvação.


Rosenda Rosedá ficou na casa do Gordo. Jubiabá veio de noite e eles beijaram sua mão. O negro velho se acocora a um canto. A luz do fifó bate em cheio na sua cara enrugada.

Na casa do Gordo não tem luz eléctrica. O Gordo sorri na alegria de ver o amigo. Todos ouvem as histórias de António Balduíno.

O urso dorme a um canto. E resolvem que no outro dia irão todos para a feira de Água dos Meninos, para ver se ganham algum dinheiro com o trabalho do urso.

Descem para a “Lanterna dos Afogados” onde se embriagam. Depois António Balduíno leva Rosenda Rosedá para o areal e a ama diante do mar.

Mas ela se queixa da areia que se meteu no seu cabelo alisado a ferro. O negro ri com gosto. O vulto dos guindastes no cais.

A feira das Águas dos Meninos começa na noite de sábado e se estende pelo Domingo até ao meio-dia. Porém na noite de sábado é que é bom. Os canoeiros atracam as suas canoas no Porto da Lenha, os mestres de saveiro deixam os seus barcos no pequeno porto, homens chegam com animais carregados, as negras vêm vender mingau e arroz doce.

Bondes passam perto cheios de gente. Todo o mundo vem à feira de Água dos Meninos. Uns vêm para comprar mantimentos para a semana, outros vêm pelo prazer do passeio, para comer sarapatel, para tocar violão, para arranjar mulher.

A feira de Água dos Meninos é uma festa. Festa de negro, com música, violas, risadas e brigas. As barracas se estendem em filas. Porém a maior parte das coisas não está nas barracas. Está em grandes cestos, em caçuás, em caixotes.

Camponeses de chapéu largo de palha, sentados ao lado, conversam animadamente com os fregueses. Raízes de macheira e de inhame, montes de abacaxis, laranjas e melancias.

Tem todas as espécies de bananas na feira da Água dos Meninos. Tem de tudo na feira. Um homem que tira sorte com um periquito. Custa duzentos reis cada sorte. Rosenda Rosedá tirou a sua. Dizia o seguinte:


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