quarta-feira, novembro 20, 2013

Ele treme, está com medo....
JUBIABÁ

Episódio Nº 167




Basta pagar uma prata. Ele se recorda da fuga da Travessa Zumbi dos Palmares. Se Amélia não houvesse inventado aquelas mentiradas ele continuaria com o Comendador, vendo em Lindinalva uma santa, trabalharia na casa comercial, talvez impedisse a falência do patrão.

Teria sido um escravo. Amélia tinha feito um bem em querendo fazer um mal. Ele era livre e até possuir Lindinalva na hora que quisesse. Era sardenta e tinha um rosto de santa.

Ele nunca a olhara com olhos de desejo. Mas desde que Amélia inventou que ele a espiava quando ela tomava banho, António Balduíno não possuía outra mulher.

Dormisse com quem dormisse era com Lindinalva que ele dormia. Mesmo dormindo com Rosenda Rosedá. Ele dera Rosenda ao chofer. Agora ela andava dançando num cabaré barato, fazendo vida e já mandara pedir dinheiro emprestado.

Rosenda era mulata vaidosa, estava tendo a paga. Lindinalva não era vaidosa mas ficara com ódio dele. Tivera a sua paga também. Andava na Ladeira do Taboão onde vivem as mulheres mais baratas e mais gastas da cidade.

Ele podia possuí-la no dia que quisesse. Então porque não fica alegre, por que se entristece e não olha mais o espectáculo da lua cheia?

Ele não esperou toda a vida que chegasse o dia de possuir Lindinalva? Então porque não sobe até ao quinto andar do sobrado 32 da Ladeira do Taboão e não bate na porta do quarto de Lindinalva? Ali está o sobrado.

Eles vão passar defronte. A rua dorme no silêncio e ouve-se apenas o assobio de Joaquim. Que vento frio vem do mar e faz António Balduíno tremer?

Da porta do 32 uma mulher sai de súbito, os cabelos soltos. Mal ela aparece na porta, António Balduíno tem a certeza que é Lindinalva. Mas é um trapo humano, uma figura que perdeu o nome na Ladeira do Taboão.

Rosto sardento e encovado, as mãos finas tremendo, os olhos saltados e brilhantes. O vento sacode os cabelos da mulher. Ela pára diante dos homens, agita os braços e torce as mãos em gestos de súplicas.

 - Dois mil reis para beber uma cerveja… Dois mil reis por amor de sua mãe.

Os homens estão mudos de espanto. Ela pensa que eles não vão dar.

 - Então um cigarro… Um cigarro… há dois dias que não fumo…

Joaquim estende o cigarro. Ela o aperta nos dedos magros e ri. É Lindinalva, sim. Por isso António Balduíno treme como se tivesse febre. Um vento frio vem do mar. Com a chegada da mulher um terror profundo o invadiu.

Ele treme, está com medo, quer correr, fugir dali para o fim do mundo. Mas está preso ao solo olhando o rosto sardento e descarnado de Lindinalva. 

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