terça-feira, novembro 19, 2013

No dia em que ele quiser...


Episódio Nº 166



Irão para “A Lanterna dos Afogados”, para o cais onde a noite é bonita. Saem da Baixa dos Sapateiros e descem a Ladeira do Taboão. Finalmente o Gordo descobriu uma estrela que nunca tinha visto.

 Espie… Uma estrela nova… Aquela é minha.

O Gordo ganhou uma estrela e vai satisfeito. Jubiabá diz que as estrelas são os homens valentes que morrem. Hoje deve ter morrido um homem valente, um homem que mereça um ABC pois o Gordo descobriu uma estrela nova.

Joaquim procura uma e não encontra. António Balduíno pensa em quem teria morrido esta noite. Tem gente valente em toda a parte. Quando ele morrer brilhará no céu também.

O Gordo descobrirá ou talvez seja descoberto por uma criança, por um moleque da rua que peça esmola e tenha uma navalha no cós da calça.

Eles gostam de passear assim pelas ruas desertas quando a lua é cheia e ilumina a cidade com sua luz amarela. Não anda ninguém pelas ruas, as casas têm as janelas fechadas, os homens dormem.

Eles são novamente donos da cidade como no tempo em que mendigavam. São os únicos homens livres da cidade. São malandros, vivem do que aparece, cantam nas festas, dormem no areal do cais, amam as mulatas empregadas, não têm horários de dormir e acordar.

Zé Camarão nunca trabalhou. Já está começando a envelhecer e sempre foi malandro, desordeiro conhecido, tocador de violão, jogador de capoeira.

António Balduíno foi o seu melhor discípulo. E foi além do mestre. Foi tudo na vida. Até trabalhador nas plantações de fumo, jogador de boxe e artista de circo.

Porém vive é de fazer um samba de quando em vez e de cantá-lo nas festas dos negros da cidade. Joaquim trabalha quatro, cinco dias por mês, quando tem vontade.

Carrega malas para outros carregadores que estão com muito serviço. O Gordo vende jornais quando Balduíno não está na Baía. Balduíno chega, acabou-se tudo.

Vai atrás do negro naquela vida gostosa de não fazer nada, de viver à solta na cidade que dorme. António Balduíno pergunta:

 - A gente vai ancorar na “Lanterna dos Afogados”?

 - Vai, sim…

A Ladeira do Taboão é silenciosa a estas horas da noite. O serviço no velho elevador já terminou e a torre se debruça sobre a cidade. Nas janelas mais altas brilham luzes. São as mulheres da vida que voltaram da rua e despacham os últimos homens.

Joaquim assobia um samba. Eles vão calados. Só o assobio do Joaquim corta o silêncio. António Balduíno vai pensando no que Amélia lhe contou, na história de Lindinalva.

Agora ela deve estar sem orgulho e ele na hora que quiser poderá possuí-la. Ela não é mais a sua patroa, a filha rica do comendador, é uma mulher da vida que está na Ladeira do Taboão e se vende aos homens por qualquer dois mil reis.

Como as coisas mudam! No dia em que ele quiser subirá as escadas do sobrado onde ela está e a terá nos seus braços.
  

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