terça-feira, dezembro 17, 2013

Bala não leva endereço....
JUBIABÁ

Episódio Nº 191




Porém nem mesmo estes sabem de tudo. Eles não sabem que desde o dia do comício o Gordo carrega aquela pretinha certo de que de um momento para o outro Deus se lembrará dela, mostrará que é bom e a colocará em pé, a brincar com as outras crianças na Baixa do Sapateiro.

Nesse dia o Gordo deixará de repetir a sua pergunta, baixará as mãos e os seus olhos não serão mais tristes.

Mas se ele soubesse que ela tinha morrido, que o seu caixão pobre tinha sido enterrado há muito, então, ele morreria também, porque até o olho da piedade de Deus que é do tamanho de Deus teria secado.

Então ele não acreditaria mais e morreria desgraçado. Por isso é que vai ainda assim como um louco manso, de braços estendidos, aconchegando ao peito o corpinho magro da criança negra que morreu no comício.

Não importa que os homens não vejam o pequeno corpo baleado. Ele pesa nos braços do Gordo e ele sente a sua quentura quando o encosta ao coração.


SEGUNDA NOITE DE GREVE


A cidade perdera aquele tom festivo. Desde o primeiro tiroteio que os boatos invadiram a cidade e aos poucos o movimento das ruas foi diminuindo.

As marinetis corriam mas levavam raros passageiros e estes, assim mesmo se recolhiam a casa medrosos de brigas, de balas perdidas.

- Bala não leva endereço…

Dentro das casas, o ambiente entre as famílias era de quase terror. O encontro entre padeiros grevistas e a polícia na Baixa dos Sapateiros assumia proporções tremendas.

Davam dezoito mortos, dezenas de feridos. Corria que os sindicatos iam ser atacados e os grevistas dissolvidos à bala.

As senhoras tremiam e passavam trancas nas portas enquanto acendiam as velas e os candeeiros dentro de casa. A cidade estava intranquila.

Faltou o jantar na casa de Clóvis. Ele ficou de trazer qualquer coisa da cidade e Helena esperou toda a tarde. Ele não apareceu.

Corriam os boatos mais desencontrados. Quando ela soube do tiroteio na Baixa dos Sapateiros correu à rua. Mas foi informada de que Clóvis não estava no momento do barulho, tinha sido do grupo que fora fechar a panificação do Corredor da Vitória.

Voltou mais descansada e continuou a esperar o marido. Os filhos eram três, corriam pela porta, brincando de picula.

Que iria dar às crianças para comer? O fogão parado esperava inútil na cozinha. Não havia nada. Até a farinha terminara naquele dia. Já para o almoço pedira comida às vizinhas e prometera pagar quando o marido voltasse, porque as pobres também precisavam, pois os homens que moravam naquele beco ou eram empregados de padaria ou estivadores e andavam em greve.


Helena estava envergonhada. Que faria das crianças? Mandaria pedir mais comida? Eles estavam em greve e os homens diziam que era necessário que uns ajudassem os outros.

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