quinta-feira, dezembro 26, 2013

Nem Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve...
JUBIABÁ

Episódio Nº 198


Era qualquer coisa mais séria que barulho, que briga. Era uma luta dirigida para um fim, sabendo o que queria, uma luta bonita.

Ali na greve todos se amavam, se defendiam e lutavam contra a escravidão. A greve merecia um A B C. Não bastava o samba que António Balduíno canta enquanto pensa:

                                   «Não teve luz
                                     E também não teve pão
                                     Ficou mudo o telefone
                                     Sem ter comunicação
                                     Durante a greve não houve jornal
                                     Também não teve bonde
                                      Para nenhum ramal»


Verdade tudo aquilo que o samba dizia. Aqueles homens, que António Balduíno sempre desprezara, como escravos incapazes de reagi, paralisaram toda a vida da cidade.

António Balduíno pensava que ele e os seus malandros, desordeiros que viviam de navalha em punho, é que eram fortes, livres e donos da cidade religiosa da Baía.

E esta sua certeza fizera que ele ficasse triste e quase suicida quando teve de trabalhar nas docas. Mas agora ele sabe que não é assim.

Os trabalhadores são escravos mas estão lutando para se libertar. Bem que o samba diz.

                                  «As fabricantes
                                    Pararam um instante
                                    Até que os operários
                                     Saíssem triunfantes
                                     Agora reina grande alegria
                                     Viva os operários da nossa Baía»


Ele julgara que a luta, luta aprendida nos A B C lidos nas noite do morro, nas conversas em frente à casa de sua tia Luísa, nos conceitos de Jubiabá, na música dos batuques, era ser malandro, viver livre, não ter emprego.

A luta não é esta. Nem Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve, era a revolta dos que estavam escravos. Agora o negro António Balduíno sabe. É por isso que vai tão sorridente, porque na greve recuperou a sua gargalhada de animal livre.

Canta os dois últimos versos do samba em voz tão alta que assusta a pálida prostituta que parece uma virgem e que na janela da velha casa da Ladeira da Montanha rega um vaso de flores.


A noite desceu e a lua sobe do mar para junto das estrelas. O Gordo andará na rua Chile de braços estendidos a perguntar onde está Deus.

Zumbi dos Palmares é que brilha no céu. Para os homens brancos, é Vénus, o planeta. Para os negros, para António Balduíno, é Zumbi, o negro que morreu para não ser escravo.

Zumbi sabia aquelas coisas que só agora António Balduíno aprendera. Os saveiros dormem. Apenas “O Viajante sem Porto”, sai, de lanterna acesa, carregado de abacaxis.

Maria Clara vai em pé cantando. Dela vem o cheiro poderoso do mar. Ela nasceu no mar, o mar é o seu inimigo e o seu amante.

António Balduíno também ama o mar. Sempre viu no mar o caminho de casa.

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