sexta-feira, janeiro 10, 2014

A MORTE

E A MORTE

DE QUINCAS

BERRO  DÁGUA

Episódio Nº 8


Como sucedera naquela manhã na Repartição. Não se havia falado de outra coisa. Cada um sabia uma história de Quincas e a contava entre gargalhadas.

Ele próprio, Leonardo, nunca imaginara que o sogro fizesse tantas e tais. Cada uma de arrepiar… Sem levar em conta que muitas daquelas pessoas acreditavam Quincas morto e enterrado ou bem vivendo no interior do Estado.

E as crianças? Veneravam a memória de um avô exemplar, descansando na santa paz de Deus e, de repente, chegariam os pais com o cadáver de um vagabundo debaixo do braço, atiravam com ele no nariz dos inocentes.

Sem falar na trabalheira que iam ter, na despesa a aumentar, como se já não bastasse a do enterro, da roupa nova, do par de sapatos.

Ele, Leonardo, estava necessitado de um par de sapatos, no entanto mandara botar meias solas nuns velhíssimos para economizar. Agora, com aquele desparrame de dinheiro, quando poderia pensar em sapatos novos?

Tia Marocas, gordíssima, adorando a peixada do restaurante, era da mesma opinião.:

 - O melhor é espalhar que ele morreu no interior, que chegou um telegrama. Depois a gente convida para a missa do sétimo dia. Vai quem quiser, a gente não é obrigada a dar condução.

Vanda suspendeu o garfo:

 - Apesar dos pesares, é meu pai. Não quero que seja enterrado como um vagabundo. Se fosse seu pai, Leonardo, você gostava?

Tio Eduardo era pouco sentimental:

 - E o que ele era senão um vagabundo? E dos piores da Baía. Nem por ser meu irmão posso negar…

Tia Marocas arrotou, o bucho farto, o coração também:

 - Coitado do Joaquim… Tinha bom génio. Não fazia nada por mal. Gostava dessa vida, é o destino de cada um. Desde menino era assim.

Uma vez, tu lembra, Eduardo?... quis fugir com um circo. Levou uma surra de arrancar o pêlo – bateu na coxa de Vanda a seu lado, como a desculpar-se – E tua mãe, minha querida, era um bocado mandona.

Um dia ele arribou. Me disse que queria ser livre como um passarinho. A verdade é que ele tinha graça.

Ninguém achou graça. Vanda fechara o rosto, obstinava-se:

 - Não estou defendendo ele. Muito nos sofrer, a mim e a minha mãe, que era mulher de bem. E a Leonardo. Mas nem por isso quero que seja enterrado como um cão sem dono.

O que é que iriam dizer quando soubessem? Antes de dar para doido, era pessoa considerada. Deve ser enterrado direito.


Leonardo olhou-a suplicante. Sabia não adiantar discutir com Vanda, ela acabava sempre por impor as suas opiniões e seus desejos.

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