sábado, janeiro 04, 2014

Admirou-se de ele não estender a mão libertina...
A MORTE E

A MORTE DE

QUINCAS

BERRO

DÁGUA

Episódio Nº 3



O santeiro, velho magro, de carapinha branca, estendia-se em detalhes: uma negra, vendedora de mingau, acarajé, abará e outras comilanças, tinha um importante assunto a tratar com Quincas naquela manhã.

Ele havia-lhe prometido arranjar certas ervas difíceis de encontrar, imprescindíveis para obrigações de candomblé. A negra viera pelas ervas, urgia recebe-las, estavam na época das festas sagradas de Xangô.

Como sempre, a porta do quarto, no alto da íngreme escada, encontrava-se aberta. De há muito perdera Quincas a grande chave centenária. Aliás, constava que ele a vendera a uns turistas, em dia magro de má sorte no jogo, ajustando-lhe uma história com datas e detalhes, promovendo-a a chave benta de Igreja.

A negra chamou, não obteve resposta, pensou-o ainda adormecido, empurrou a porta. Quincas sorria deitado no catre – o lençol negro de sujo, uma rasgada colcha sobre as pernas – era seu habitual sorriso acolhedor, ela nem se deu conta de nada.

Perguntou-lhe pelas prometidas ervas, ele sorria sem responder. O dedão do pé direito saia por um buraco da meia, os sapatos rotos estavam no chão.

A negra, íntima, acostumada às brincadeiras de Quincas, sentou-se na cama, disse-lhe estar com pressa. Admirou-se de ele não estender a mão libertina, viciada nos beliscões e apalpadelas.

Fitou mais uma vez o dedo grande do pé direito, achou esquisito. Tocou o corpo de Quincas. Levantou-se alarmada, tomou a mão fria. Desceu as escadas correndo, espalhou a notícia.

Filha e genro ouviram sem prazer aqueles detalhes com negra e ervas, apalpadelas e candomblé. Balançavam a cabeça, quase apressavam o santeiro, homem calmo, amigo de narrar uma história com todos os detalhes.

Só ele sabia dos parentes de Quincas, revelados em noite de grande bebedeira, e por isso viera. Adoptava uma fisionomia compungida para apresentar «seus sentidos pêsames».

Estava na hora de Leonardo ir para a Repartição. Disse à esposa:

 - Vai na frente, eu passo na Repartição e não demoro a chegar. Tenho de assinar o ponto. Falo com o chefe…

Mandaram o santeiro entrar, ofereceram-lhe uma cadeira na sala. Vanda foi mudar a roupa. O santeiro contava de Quincas a Leonardo, não havia quem não gostasse dele na Ladeira do Tabuão.

Porque se entregara ele - homem de boa família e de posses, como o santeiro podia constatar ao ter o prazer de travar conhecimento com sua filha e genro – àquela vida de vagabundo?

Algum desgosto? Devia ser, com certeza. Talvez a esposa o houvesse carregado de chifres, muitas vezes sucedia. E o santeiro punha os indicadores na testa, numa interrogação frascaria: tinha adivinhado?

 - Dª. Octacília, minha sogra, era uma santa mulher!

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