.... dizer-lhe galanteios naquela tarde... |
A MORTE E
A MORTE DE
A MORTE DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 14
Já naquela hora a notícia da inesperada morte de Quincas Berro Dágua circulava pelas ruas da Baía. É bem verdade que os pequenos comerciantes do Mercado não fecharam suas portas em sinal de luto.
Em compensação, imediatamente aumentaram
os preços dos balangandãs, das bolsas de palha, das esculturas de barro que
vendiam aos turistas, assim homenageavam o morto.
Houve nas imediações do Mercado
ajuntamentos precipitados, pareciam comícios relâmpago, gente andando de um
lado para o outro, a notícia no ar, subindo o Elevador Lacerda, viajando nos
bondes para a Calçada, ia de ónibus para a Feira de Santana.
Debulhou-se em lágrimas a deliciosa
negra Paula, ante o seu tabuleiro de beijus de tapioca. Não viria Berro Dágua,
naquela tarde dizer-lhe galanteios naquela tarde torneados, espiar-lhe os seios
vastos, propor-lhe indecências, fazendo-a rir.
Nos saveiros de velas arriadas, os
homens do reino de Iemanjá, os bronzeados marinheiros, não escondiam a sua
decepcionada surpresa: como pudera acontecer essa morte num quarto do Tabuão,
como fora o “velho marinheiro” desencarnar numa cama?
Não proclamara, peremptório, e tantas
vezes, Quincas Berro Dágua, com voz e jeito de convencer ao mais descrente, que
jamais morreria em terra, que só um túmulo era digno da sua picardia: o mar
banhado de lua, as águas sem fim?
Quando se encontrava, convidado de
honra, na popa de um saveiro, ante uma peixada sensacional, as panelas de barro
lançando olorosa fumaça, a garrafa de cachaça passando de mão em mão, havia
sempre um instante, quando os violões começavam a ser ponteados, em que seus
instintos marítimos despertavam.
Punha-se de pé, o corpo gingando,
dava-lhe a cachaça aquele facilante equi líbrio
dos homens do mar, declarava sua condição de «velho marinheiro».
«Velho marinheiro» sem barco e sem mar,
desmoralizado em terra, mas não por culpa sua. Porque para o mar nascera, para
içar velas e dominar o leme de saveiros, para domar as ondas em noite de
temporal.
Seu destino fora truncado, ele, que
poderia ter chegado a capitão de navio, vestido de farda azul, cachimbo na
boca. Nem mesmo assim deixava de ser marinheiro, para isso nascera de sua mãe
Madalena, neta de comandante de barco, era marítimo desde seu bisavô e se lhe
entregassem aquele saveiro seria capaz de conduzi-lo mar afora, não para
Maragogipe ou Cachoeira, ali pertinho, e, sim, para as distantes costas da África,
apesar de jamais ter navegado.
Estava no seu sangue, nada precisava
aprender sobre navegação, nascera sabendo. Se alguém na selecta assistência
tinha dúvidas, que se apresentasse… Empinava a garrafa, bebia em grandes goles.
Os mestres de saveiro não duvidavam, bem
podia ser verdade. No cais e nas praias os meninos nasciam sabendo as coisas do
mar, não vale a pena buscar explicações para tais mistérios.
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