Um Discurso Insultante.
O Papa Bento XVI resignou. Grande intelectual que era,
percebeu que lhe faltavam qualidades para corrigir os grandes defeitos
enraizados na Igreja de Roma como a corrupção, a pedofilia, o luxo e outros.
O Papa Francisco, argentino, franciscano, com uma experiência
de vida, não de sacristia mas do seio das comunidades pobres dos subúrbios da
grande cidade, desligado por vocação de honras e vénias, desencadeia no
Vaticano uma luta contra as estruturas implantadas e até já há quem tema, por
causa disso, pela sua vida.
Governar uma Igreja inspirada na figura de Jesus da Nazaré
implica, para além do resto, um grande sentido de humanidade e humildade e
Bento XVI não demonstrou essas qualidades quando, em Maio de 2007, na Conferência
de Bispos Latino Americanos e do Caribe, em Aparecida, no Brasil, se referiu ao processo de
Cristianização da América sem incluir uma única palavra de crítica a esses
factos históricos.
Nesse discurso, ele expressou a visão oficial insensível da Igreja
Católica daquele sangrento processo histórico.
Uma
passagem desse discurso:
- “Que significou a aceitação da fé cristã para os povos da América Latina e do Caribe? Para eles significou conhecer e acolher Cristo, o Deus desconhecido que os seus antepassados, sem o saberem, buscavam nas suas ricas tradições religiosas. Cristo era o Salvador que ansiavam silenciosamente. O Espírito Santo veio fecundar as suas culturas, purificando-as e desenvolvendo os numerosos germens e sementes que o Verbo encarnado havia posto nelas, orientando-as assim pelos caminhos dos Evangelhos. O anúncio de Jesus e do seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, a alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estranha…”
Por falta de humildade, Bento XVI pensou que basta a obediência e
o respeito para que a palavra do Papa seja aceite como mais um dogma, como se
os destinatários dessas palavras fossem ignorantes, insensíveis, sem capacidade
crítica… quando esse processo histórico foi um dos genocídios mais horrorosos
em que a Igreja esteve implicada.
Entre as muitas
expressões de repúdio ao discurso do Papa destacamos uma, a da “Posição da Confederação
dos Povos de Nacionalidade Kichwa do Equador” emitido dois dias apenas após as palavras provocadoras do
pontífice.
Eis uma passagem desse texto:
- “Se analisarmos com uma elementar sensibilidade humana, sem
fanatismos de nenhuma espécie, a história da invasão a Abya Yala (nome dado ao
Continente Americano) realizado pelos espanhóis com a cumplicidade da igreja
católica, só nos podemos indignar.
Seguramente que o Papa desconhece que
os representantes da igreja católica desse tempo, com honrosas excepções, foram
cúmplices, encobridores e beneficiários de um dos genocídios mais horrorosos
que a humanidade podia presenciar.
Mais de 70 milhões de mortos em
campos de concentração de minas (a actividade de mineração foi a mais
importante da América Espanhola). Nações e povos inteiros foram arrasados e
para substituir os mortos trouxeram povos do continente africano que sofreram a
mesma desgraçada sorte.
Usurparam as riquezas dos nossos
territórios para salvar economicamente o sistema feudal. As mulheres foram
cobardemente violadas e milhares de crianças morreram por desnutrição e doenças
desconhecidas. Tudo isto foi feito debaixo do pressuposto filosófico e
teológico que os nossos antepassados “não tinham alma”.
Junto dos assassinos dos nossos
heróicos dirigentes estava sempre um sacerdote ou um bispo para doutrinar o
condenado ou condenada à morte, baptizando-os antes de morrer, renunciando,
assim, às suas concepções filosóficas e teológicas…
Não é concebível que em pleno Séc. XXI se
acredite na Europa que só pode ser concebido como Deus um ser definido com tal
na Europa. O Papa devia saber que antes de chegarem aos nossos territórios os
sacerdotes católicos com a Bíblia, nos nossos povos já existia deus e a sua
Palavra é aquela que sempre sustentou a vida dos nossos povos e a da Mãe Terra.
A palavra de Deus não pode estar contida num só livro e muito menos se pode
acreditar que uma religião possa privatizar um Deus.
Os nossos povos originários eram
civilizações que tinham governos e organizações sociais estruturadas de acordo
com os nossos princípios. Naturalmente, também tínhamos religiões com livros
sagrados, ritos, sacerdotes e sacerdotisas que foram os primeiros a serem
assassinados pelos que se afirmavam ser servidores do Deus do Amor de que
falava Jesus Cristo mas não passaram de servidores do “deus da codícia”.
É importante comunicar ao Papa que as
nossas religiões jamais morreram. Aprendemos a sincretizar nossas crenças e
símbolos com as dos invasores e opressores. Continuamos assistindo nos nossos
templos porque sabemos que debaixo dos principais templos católicos estão os
cimentos dos nossos templos sagrados que foram destruídos no pressuposto de que
as novas construções sepultariam as nossas crenças."
Que dizer mais?
Notável este texto pela sabedoria e humildade inteligente
em resposta à sobranceria das palavras do pontífice.
O Papa Francisco bem
pode mudar este rumo porque o mundo precisa da sua ajuda, da sua palavra
humilde, mas forte e acusadora do que por aí vai…
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