segunda-feira, janeiro 27, 2014

Curió queria retirar-se
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA

Episódio Nº 22



Segurou Pé-de-Vento por um braço, respondia, respondia com os olhos ao pedido de Curió. Cabo Martim compreendeu, um militar não foge do campo da luta.

Afastaram-se os quatro de perto do caixão, para o fundo do quarto. Agora estavam ali em silêncio, de um lado a família de Joaquim Soares da Cunha, filha, genro e irmãos, do outro lado os amigos de Quincas Berro Dágua.

Pé-de-Vento metia a mão no bolso, tocava na jóia amedrontado, como gostaria de mostrá-la a Quincas!

Como se executassem um movimento de ballet, ao afastarem-se do caixão os amigos, aproximaram-se dos parentes. Vanda lançava um olhar de desprezo e “reproche” ao pai. Mesmo depois de morto, ele preferia a sociedade daqueles maltrapilhos.

Por eles estivera Quincas esperando, suas inquietações ao fim da tarde devia-se apenas à demora, ao atraso da chegada dos vagabundos.

Quando Vanda começava a acreditar o pai vencido, disposto finalmente a entregar-se, a silenciar os lábios de sujas palavras, derrotado pela resistência silenciosa e cheia de dignidade por ela oposta a todas as suas provocações, de novo resplandecia o sorriso na face morta, mais do que nunca era de Quincas Berro Dágua o cadáver em sua frente.

Não fosse a lembrança ultrajada de Octacília e ela abandonaria a luta, largaria no Tabuão o corpo indigno, restituiria o esquife de tão pouco uso à empresa funerária, venderia as roupas novas por metade do preço a um Mascate qualquer. O silêncio fazia-se insuportável.

Leonardo voltou-se para a esposa e a tia:

- Acho que é hora de vocês irem ido. Daqui a pouco fica tarde.

Minutos antes, tudo quanto Vanda desejava era ir para casa descansar. Apertou os dentes, não era mulher para deixar-se vencer, respondeu:

 - Daqui a pouco.

Negro Pastinha sentou-se no chão, encostou a cabeça na parede. Pé-de-Vento cutucava-o com o pé, não ficava bem acomodar-se assim diante da família do morto.

Curió queria retirar-se, Cabo Martim fitava, repreensivo, o negro. Pastinha empurrou com a mão o pé incómodo do amigo, sua voz soluçou:

 - Ele era o pai da gente! Paizinho Quincas…

Foi como um soco no peito de Vanda, uma bofetada em Leonardo, uma cuspidela em Eduardo. Só tia Marocas riu, sacudindo as banhas, sentada na cadeira única e disputada.

 - Que engraçado!

Negro Pastinhas passou do choro ao riso, encantado com Marocas. Mais assustadora ainda que os seus soluços era a gargalhada do negro.

Foi uma trovoada no quarto e Vanda ouviu um outro riso por detrás do riso de Pastinha: Quincas divertia-se uma enormidade.

 - Que falta de respeito é essa? – Sua voz seca desfez aquele princípio de cordialidade.
  

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