terça-feira, janeiro 28, 2014

O padre já veio?
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA



Episódio Nº 23



Ante a reprimenda, tia Marocas levantou-se, deu uns passos pelo quarto, sempre acompanhada pela simpatia do negro Pastinha, a examiná-la dos pés à cabeça, achando-a uma mulher a seu gosto, um tanto envelhecida, sem dúvida, porém grande e gorda como ele apreciava.

Não gostava dessas magricelas, cuja cintura a gente nem pode apertar. Se negro Pastinha encontrasse essa dama na praia, fariam misérias os dois, bastava olhar para ela e logo se via a sua qualidade.

Tia Marocas começou a dizer o seu desejo de retirar-se, sentia-se cansada e nervosa. Vanda, tendo ocupada o seu lugar na cadeira ante o caixão, não respondia, parecia um guarda cuidando de um tesouro.

Cansados estamos todos – falou Eduardo.

 - Era melhor mesmo eles irem embora… - Leonardo temia a Ladeira do Tabuão mais tarde, quando houvesse cessado completamente o movimento do comércio e as prostitutas e os malandros a ocupassem.

Educado como era e querendo colaborar, Cabo Martim propôs:

 - Se os distintos querem ir descansar, tirar uma pestana, a gente fica tomando conta dele.

Eduardo não sabia estar direito: não podiam deixar o corpo sozinho com aquela gente, sem nenhum membro da família. Mas que gostaria de aceitar a proposta, ah! como gostaria!

O dia inteiro no armazém, andando de um lado para outro, atendendo os fregueses, dando ordens aos empregados, arrasava um homem.

Eduardo adormecia cedo e acordava com a madrugada, horários rígidos. Ao voltar do armazém, após o banho e o jantar, sentava-se numa espreguiçadeira, estirava as pernas, dormia em seguida.

Esse seu irmão Quincas só sabia dar-lhe aborrecimentos. Há dez anos não fazia outra coisa. Obrigava-o naquela noite a estar ainda de pé, tendo comido apenas umas sanduíches.

Porque não deixá-lo com seus amigos, aquela caterva de vagabundos, a gente com quem privara durante um decénio?...

Que fazem ali naquela pocilga imunda, naquele ninho de ratos, ele e Marocas, Vanda e Leonardo? Não tinha coragem de externar seus pensamentos: Vanda era malcriada, bem capaz de recordar-lhe as várias ocasiões em que ele, Eduardo, começando a vida, recorrera à bolsa de Quincas. Olhou o Cabo Martim com uma certa benevolência.

Pé de Vento, derrotado em suas tentativas de fazer negro Pastinha levantar-se, sentou-se também. Tinha vontade de colocar a jóia na palma da mão e brincar com ela. Nunca tinha visto uma tão bonita.

Curió, cuja infância decorrera num asilo de menores dirigido por padres, buscava na embotada memória uma oração completa.

Sempre ouvira dizer que os mortos necessitam de orações. E de padres… Já teria vindo o sacerdote ou viria no dia seguinte? A pergunta coçava-lhe a garganta, não resistiu:

 - O padre já veio?

 - Amanhã de manhã … - respondeu Marocas

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