O padre já veio? |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 23
Ante a reprimenda, tia Marocas
levantou-se, deu uns passos pelo quarto, sempre acompanhada pela simpatia do
negro Pastinha, a examiná-la dos pés à cabeça, achando-a uma mulher a seu
gosto, um tanto envelhecida, sem dúvida, porém grande e gorda como ele
apreciava.
Não gostava dessas magricelas, cuja
cintura a gente nem pode apertar. Se negro Pastinha encontrasse essa dama na
praia, fariam misérias os dois, bastava olhar para ela e logo se via a sua qualidade.
Tia Marocas começou a dizer o seu desejo
de retirar-se, sentia-se cansada e nervosa. Vanda, tendo ocupada o seu lugar na
cadeira ante o caixão, não respondia, parecia um guarda cuidando de um tesouro.
Cansados estamos todos – falou Eduardo.
-
Era melhor mesmo eles irem embora… - Leonardo temia a Ladeira do Tabuão mais
tarde, quando houvesse cessado completamente o movimento do comércio e as
prostitutas e os malandros a ocupassem.
Educado como era e querendo colaborar,
Cabo Martim propôs:
-
Se os distintos querem ir descansar, tirar uma pestana, a gente fica tomando
conta dele.
Eduardo não sabia estar direito: não
podiam deixar o corpo sozinho com aquela gente, sem nenhum membro da família.
Mas que gostaria de aceitar a proposta, ah! como gostaria!
O dia inteiro no armazém, andando de um
lado para outro, atendendo os fregueses, dando ordens aos empregados, arrasava
um homem.
Eduardo adormecia cedo e acordava com a
madrugada, horários rígidos. Ao voltar do armazém, após o banho e o jantar, sentava-se
numa espreguiçadeira, estirava as pernas, dormia em seguida.
Esse seu irmão Quincas só sabia dar-lhe
aborrecimentos. Há dez anos não fazia outra coisa. Obrigava-o naquela noite a
estar ainda de pé, tendo comido apenas umas sanduíches.
Porque não deixá-lo com seus amigos,
aquela caterva de vagabundos, a gente com quem privara durante um decénio?...
Que fazem ali naquela pocilga imunda,
naquele ninho de ratos, ele e Marocas, Vanda e Leonardo? Não tinha coragem de
externar seus pensamentos: Vanda era malcriada, bem capaz de recordar-lhe as
várias ocasiões em que ele, Eduardo, começando a vida, recorrera à bolsa de
Quincas. Olhou o Cabo Martim com uma certa benevolência.
Pé de Vento, derrotado em suas
tentativas de fazer negro Pastinha levantar-se, sentou-se também. Tinha vontade
de colocar a jóia na palma da mão e brincar com ela. Nunca tinha visto uma tão
bonita.
Curió, cuja infância decorrera num asilo
de menores dirigido por padres, buscava na embotada memória uma oração completa.
Sempre ouvira dizer que os mortos
necessitam de orações. E de padres… Já teria vindo o sacerdote ou viria no dia
seguinte? A pergunta coçava-lhe a garganta, não resistiu:
-
O padre já veio?
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