Pode ir descansado, a gente faz companhia a ele. |
A MORTE
E
A MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 25
Quem sabe não iria o comerciante mandar
comprar uma bebidinha para ajudar a travessia da noite longa?
– Vocês vão ficar a noite toda?
– Com ele? Sim senhor. A gente era
amigo.
– Então vou em casa, descansar um pouco
– meteu a mão no bolso, retirou uma nota. Os olhos do Cabo, de Curió e
Pé-de-Vento acompanhavam seus gestos. – Tá aí para vocês comprarem uns
sanduíches. Mas não deixem ele sozinho. Nem um minuto, hein!
– Pode ir descansado, a gente faz
companhia a ele.
Negro Pastinha acordou quando sentiu o
cheiro de cachaça. Antes de começar a beber, Curió e Pé-de-Vento acenderam
cigarros; cabo Martim, um daqueles charutos de cinquenta centavos, negros e
fortes, que só os verdadeiros fumantes sabem apreciar.
Passara a fumaça poderosa sob o nariz do
negro, nem assim ele acordara. Mas apenas destaparam a garrafa (a discutida
primeira garrafa que, segundo a família, o Cabo levara escondida sob a camisa)
o negro abriu os olhos e reclamou um trago.
Os primeiros tragos despertaram nos
quatro amigos um acentuado espírito crítico. Aquela família de Quincas, tão
metida a sebo, revelara-se mesqui nha
e avarenta. Fizera tudo pela metade. Onde as cadeiras para as visitas sentarem?
Onde as bebidas e comidas habituais, mesmo em velórios pobres?
Cabo Martim comparecera a muita
sentinela de defunto, nunca vira uma tão vazia de animação. Mesmo nas mais
pobres serviam pelo menos um cafezinho e um gole de cachaça. Quincas não
merecia tal tratamento. De que adiantava arrotar importância e deixar o morto
naquela humilhação, sem nada para oferecer aos amigos?
Curió e Pé-de-Vento saíram em busca de
assentos e mantimentos. Cabo Martim achava necessário organizar o velório com
um mínimo de decência, pelo menos. Sentado na cadeira, dava ordens: caixões e
garrafas. Negro Pastinha ocupara o caixão de querosene, aprovava com a cabeça.
Devia-se confessar que, em relação ao
cadáver propriamente dito, a família comportara-se bem. Roupa nova, sapatos
novos, uma elegância. E velas bonitas, das de igreja. Ainda assim haviam
esquecido as flores, onde já se viu cadáver sem flores?
– Está um senhor – gabou Negro Pastinha.
– Um defunto porreta!
Quincas sorriu com o elogio, o negro
retribuiu-lhe o sorriso:
– Paizinho... – disse comovido e
cutucou-lhe as costelas com o dedo, como costumava fazer ao ouvir uma boa piada
de Quincas.
Curió e Pé-de-Vento voltaram com
caixões, um pedaço de salame e algumas garrafas cheias. Fizeram um semicírculo
em torno ao morto e então Curió propôs rezarem em conjunto o Padre-Nosso.
Conseguira, num surpreendente esforço de
memória, recordar-se da oração quase completa. Os demais concordaram, sem
convicção.
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