quinta-feira, janeiro 30, 2014

Pode ir descansado, a gente faz companhia a ele.
A MORTE
E
A MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA

Episódio Nº 25



Quem sabe não iria o comerciante mandar comprar uma bebidinha para ajudar a travessia da noite longa?

– Vocês vão ficar a noite toda?

– Com ele? Sim senhor. A gente era amigo.

– Então vou em casa, descansar um pouco – meteu a mão no bolso, retirou uma nota. Os olhos do Cabo, de Curió e Pé-de-Vento acompanhavam seus gestos. – Tá aí para vocês comprarem uns sanduíches. Mas não deixem ele sozinho. Nem um minuto, hein!

– Pode ir descansado, a gente faz companhia a ele.

Negro Pastinha acordou quando sentiu o cheiro de cachaça. Antes de começar a beber, Curió e Pé-de-Vento acenderam cigarros; cabo Martim, um daqueles charutos de cinquenta centavos, negros e fortes, que só os verdadeiros fumantes sabem apreciar.

Passara a fumaça poderosa sob o nariz do negro, nem assim ele acordara. Mas apenas destaparam a garrafa (a discutida primeira garrafa que, segundo a família, o Cabo levara escondida sob a camisa) o negro abriu os olhos e reclamou um trago.
Os primeiros tragos despertaram nos quatro amigos um acentuado espírito crítico. Aquela família de Quincas, tão metida a sebo, revelara-se mesquinha e avarenta. Fizera tudo pela metade. Onde as cadeiras para as visitas sentarem? Onde as bebidas e comidas habituais, mesmo em velórios pobres?

Cabo Martim comparecera a muita sentinela de defunto, nunca vira uma tão vazia de animação. Mesmo nas mais pobres serviam pelo menos um cafezinho e um gole de cachaça. Quincas não merecia tal tratamento. De que adiantava arrotar importância e deixar o morto naquela humilhação, sem nada para oferecer aos amigos?

Curió e Pé-de-Vento saíram em busca de assentos e mantimentos. Cabo Martim achava necessário organizar o velório com um mínimo de decência, pelo menos. Sentado na cadeira, dava ordens: caixões e garrafas. Negro Pastinha ocupara o caixão de querosene, aprovava com a cabeça.

Devia-se confessar que, em relação ao cadáver propriamente dito, a família comportara-se bem. Roupa nova, sapatos novos, uma elegância. E velas bonitas, das de igreja. Ainda assim haviam esquecido as flores, onde já se viu cadáver sem flores?

– Está um senhor – gabou Negro Pastinha. – Um defunto porreta!

Quincas sorriu com o elogio, o negro retribuiu-lhe o sorriso:

– Paizinho... – disse comovido e cutucou-lhe as costelas com o dedo, como costumava fazer ao ouvir uma boa piada de Quincas.

Curió e Pé-de-Vento voltaram com caixões, um pedaço de salame e algumas garrafas cheias. Fizeram um semicírculo em torno ao morto e então Curió propôs rezarem em conjunto o Padre-Nosso.
Conseguira, num surpreendente esforço de memória, recordar-se da oração quase completa. Os demais concordaram, sem convicção.

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