quinta-feira, fevereiro 13, 2014

Aqui estamos, oceano, novamente juntos
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 4









DO DESEMBARQUE DO HERÓI EM PERIPERI E DE SUA INTIMIDADE COM O MAR - 

- ADIANTE, GRUMETES.


Voz acostumada a ordenar. Fez um gesto com a mão apontando o rumo, desceu os três degraus da plataforma, assumira o controle da travessia, firme pulso ao timão, olhos de bússola.

Formou-se uma espécie de pequeno cortejo a desfilar na rua:
à frente, decidido e sereno, o comandante. Uns metros atrás, Caco Podre e Misael, os dois carregadores, com parte da bagagem.

Caco Podre àquela hora já bebera seus tragos habituais, seu passo era incerto, não lhe ia de todo mal o tratamento de “grumete” que lhe dera o recém-chegado. Os curiosos vinham logo depois, trocando cochichos, num grupo que crescia, pois a roda do leme, na cabeça de Misael, era um chamariz.

Não entrou em casa. Contentou-se em apontá-la aos carregadores,
continuou a caminhar. Dirigiu-se para a praia, andou até os rochedos, parou a medi-los com um olhar de conhecedor, iniciou a escalada.

 Altos não eram, escarpados tampouco, rampa suave por onde nos dias de verão crianças subiam e desciam, e, à noite, escondiam-se namorados. Mas havia tal dignidade no porte do comandante que todos compreenderam as dificuldades da empresa, como se de súbito os modestos rochedos se houvessem transformado em abrupta muralha de pedras, jamais vencida pelos pés do homem.

Ao chegar ao alto, deixou-se ficar parado, os braços cruzados
sobre o peito, a fitar as águas. Assim imóvel, o rosto contra o sol, a cabeleira ao vento (aquela suave e permanente brisa de Periperi), assemelhava-se a um soldado em posição de sentido num desfile ou, dada sua imponência, um general em bronze numa estátua.

 Vestia um estranho paletó, onde havia algo de túnica militar, azul e grosso, de gola ampla. Só Zequinha Curvelo, leitor assíduo de romances de aventuras, adivinhou estar ali, diante deles, em carne e osso, um homem do mar, habituado aos navios e às tempestades.

Murmurou sua impressão aos outros, paletó parecido com aquele ilustrava a capa de um romance de aventuras no oceano, história de frágil veleiro em meio a um mar de temporais e sargaços.

O marinheiro na capa vestia um paletó assim. Durou apenas um momento aquela imobilidade mas foi um longo momento, quase eterno, fixando a imagem na memória dos vizinhos. Depois estendeu num gesto longo o braço curto e pronunciou:

— Aqui estamos, oceano, novamente juntos. Outra vez voltou a cruzar os braços sobre o peito, era uma afirmação e também um desafio.

 Seu olhar dominava as águas calmas do golfo, onde o mar e o rio se misturavam na acolhedora baía. Ao longe, negros navios ancorados, rápidos saveiros cujas velas brancas pontilhavam o azul sereno da paisagem.

Havia, naquele olhar e na postura imóvel, a revelação de antiga intimidade com o oceano, feita de amor e cólera, de histórias vividas, sensível mesmo àqueles corações pacatos, distantes da aventura e do heroísmo.

É de justiça exceptuar Zequinha Curvelo, pois noutro clima não vivia, devorador de folhetins baratos, às voltas com piratas e pioneiros, de todo preparado para ser o protoprofeta, o são João Batista anunciador do herói desembarcado.

Assim, quando o comandante desceu dos rochedos e penetrou
no círculo dos vizinhos, murmurando, como se falasse consigo mesmo,  “longe do oceano não posso viver”, penetrou também e definitivamente na admiração de seus novos concidadãos.

Parecia, no entanto, não vê-los, não se dar conta de sua presença e curiosidade.

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