quinta-feira, março 20, 2014

Ao fundo o que resta do Vesúvio. Era uma montanha com mais de 3.000 metros...e as encostas cobertas de florestas.










De Novo, Pompeia



- O drama de 24 de Agosto de há 2.025 anos - 



(A importância dos graffitis das ruínas da cidade)

Há anos visitei as ruínas da cidade de Pompeia e sobre essa visita escrevi um texto que coloquei aqui, no Memórias Futuras, e no qual registava a emoção que então senti, misto de tristeza e pavor pela morte horrível de todas aquelas pessoas que pareciam ter sido vítimas de um cataclismo registado no dia anterior… e, ao mesmo tempo, a curiosidade «cuscuvilheira» de quem espreita pelo buraco da fechadura, não da porta de uma casa mas de uma cidade escancarada e misteriosamente desabitada.

De novo, volto a Pompeia para partilhar convosco o texto de Eliana da Cunha Lopes, - Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975) e Mestrado em Letras (Letras Clássicas- Latim) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993). Atualmente é Professor Auxiliar III da Faculdade Gama e Souza. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua e Literatura Latina, actuando principalmente nos seguintes temas: Ovídio,Literatura Latina, Língua Latina, século de Augusto - que dá um especial relevo aos graffiti a que já me tinha referido e que ela aborda no texto que se segue, em pormenor e com a importância que merece:


- «Baseando-se no corpus escrito nas paredes da cidade de Pompeia, destruída pela erupção do vulcão Vesúvio, em 79 de nossa era, o presente trabalho buscará mostrar que as mensagens grafadas a carvão, nos muros da cidade arrasada, transformaram-se em preciosíssimo relicário para os pesquisadores e estudiosos do latim vulgar.

Os graffiti, do latim graphium, ou inscrições parietais encontrados nas ruínas de Pompeia contêm, em suas estruturas, caracteres linguísticos que nos permitem, não só uma visão da sociedade romana antiga mas também nos auxiliam, como fonte riquíssima, no estudo e aprofundamento do latim vulgar.

São mensagens baseadas em diversos temas como convites sedutores, conselhos, declarações de amor ou ódio, inveja, erotismo, súplicas etc., que nos mostram a linguagem corrente das classes incultas de Roma da época.

Nosso trabalho é uma pesquisa ainda em fase de desenvolvimento. São apenas algumas citações baseadas, exclusivamente, no latim vulgar. Sabemos que há entre os graffiti pompeianos textos do poeta latino Públio Ovídio Nasão mas estes textos clássicos, para o presente trabalho, não nos interessam.

Há exactamente 2025 anos, no dia 24 de Agosto de 79 de nossa era, data que deve ser relembrada por pesquisadores e estudiosos do latim vulgar, uma chuva de cinzas e pedra- pomes e sucessivos tremores de terra transformaram o dia, na cidade da Itália, às margens do Mar Tirreno, em noite e destruíram tudo e todos que se opunham a sua passagem.

Pompeia, cidade produtora de vinho e azeite, viveria, naquele 24 de Agosto, um dia festivo. Seus habitantes assistiriam a um espectáculo teatral com atores vindo de Roma que se apresentariam no Grande Teatro, a partir das 11h da manhã prolongando-se o espectáculo, como era de costume, até a noite. 

Passava das 10h da manhã. As arquibancadas quase repletas: os vendedores ambulantes, com seus cestos de pão e doces, dirigiam-se para o teatro.

Nos bares ao ar livre, as thermopolia as últimas taças de posca eram saboreadas. Os comerciantes cerravam as últimas portas de seus estabelecimentos. O dia ensolarado e quente convidava ao lazer.

No auge dos preparativos para a festa, ouve-se uma explosão. Era apenas o início. A população perplexa visualiza o topo do Vesúvio. O vulcão partira-se em dois e, do seu interior, rompe-se uma tocha de fogo. 

Inacreditável!!! Os habitantes de Pompeia se entreolhavam e com uma pergunta/resposta sufocada na garganta constataram: É uma erupção!

O Vesúvio que tinha adormecido, pelo menos por 900 anos, estava ali, diante deles, dando sinal de vida e de opulência.

Na manhã seguinte (25 de Agosto), quando a cidade já se encontrava sob os entulhos vulcânicos, o Vesúvio despejou toda a sua fúria em forma de gases quentes (vapores clorídricos).

A temperatura, segundo pesquisadores, atingiu a marca de 600 graus Celsius. Todos os habitantes de Pompeia e Herculano foram soterrados na mais terrível erupção vulcânica.

Na época, Pompeia possuía entre 15 e 20 mil habitantes. Acredita-se que, por serem constantes, os terramotos nesta região, os habitantes não perceberam a gravidade de tal fenómeno.

Os habitantes de Pompeia, na tentativa de fuga pelas ruas, foram mortos por asfixia e queimados, outros, no seu próprio leito.

Os que sobreviveram, foram tragados no final da tarde do dia 25. Foi o golpe fatal, nada restando das cidades províncias.

As cidades de Pompeia e Herculano, no sul da Itália, permaneceram, durante muito tempo, soterradas pela erupção violenta do vulcão, sob metros e metros de cinzas e pedras.

Anos mais tarde, os pesquisadores efectuaram escavações na área soterrada e descobriram um vasto material arqueológico e linguístico.

Em Pompeia, de entre os «achados», permaneciam intactos os famosos graffiti, inscrições populares escritas, em sua maioria, a carvão. Esta descoberta trouxe, para o latim vulgar, uma contribuição riquíssima e ímpar.

A vantagem desta descoberta deve-se ao fato de que as mensagens têm um carácter linguístico e social, revelando duas faces de uma mesma moeda.

De um lado, forneceu-nos uma visão da forma de vida da sociedade de uma cidade da provincial, de outro, levou-nos ao estudo das alterações fonéticas, morfológicas e de sintaxe de uma das fases da língua latina: o latim vulgar.

As inscrições de Pompeia foram estudas por Väänänen, Le latin Vulgaire des Inscriptions Pompéiennes, Helsinki,1937 (2ª ed.,1958) e reunidas no Corpus Inscriptionum Latinarum, conhecido pela sigla CIL, obra grandiosa editada pela Academia das Ciências de Berlim, iniciada em 1863 e ainda incompleta.

Dos dezasseis volumes que compõem esta obra, que reúne inscrições de diversas cidades e regiões, o quarto volume é de grande relevância. Nele, encontram-se registadas as inscrições parietais, gravadas com estiletes, e em menor escala a carvão, em paredes, monumentos, muros, banheiros etc.

Dos graffiti encontrados na região destruída pelo vulcão, os que nos interessam são as inscrições de cunho popular, não literária e muitas das vezes fragmentária, mas que expressam, com clareza, a linguagem quotidiana dos soldados, colonos civis e militares e comerciantes da época, os falantes natos do latim vulgar.

Estas inscrições registam, também, o modo de vida dos habitantes da província mostrando os resultados dos jogos de dado, declarações de amor ou ódio, inveja, erotismo, conselhos, súplicas etc…

Os graffiti contribuíram para o estudo filológico e linguístico na reconstituição do latim vulgar falado. A epigrafia, ciência que se ocupa da leitura, interpretação e datação das inscrições antigas em material resistente como pedras, metal, argila, cera etc., em muito contribuiu para o estudo da reconstituição do latim vulgar.

O latim vulgar (vulgo (latim) = povo) ou latim corrente, em oposição ao latim clássico, que é a norma culta do latim, está documentado em textos epigráficos, em textos literários e indirectamente nas línguas românicas.

Não conhecemos na totalidade o latim vulgar. O que há, na verdade, são vestígios através dos quais os filólogos tentam reconstituir o que teria sido o latim vulgar.

O latim vulgar era uma língua falada em Roma e suas províncias, não havendo nenhum documento oficial escrito só nessa variedade linguística. Concentra-se neste fato a maior dificuldade encontrada para a reconstituição desta forma linguística.

A partir do corpus escrito nas paredes da cidade de Pompeia, analisaremos algumas inscrições à luz da morfologia, sintaxe e fonologia.

Há cerca de 15000 inscrições parietais recolhidas de Pompeia registadas no CIL. Os graffiti são bastante numerosos e diversificados, pelo hábito dos seus habitantes de todas as faixas etárias de rabiscarem as paredes com carvão.

O nível de língua das inscrições parietais pompeianas varia bastante. Os habitantes locais zombavam do próprio hábito de rabiscarem as paredes numa linguagem bastante literária, conforme atesta o trecho abaixo:

Admiror, paries, te non cecidisse ruinis, qui tot scriptorum taedia sustineas.
(CIL, IV, 1904)



«Admira-me, parede, não teres caído em ruínas, tu que aguentas o tédio de tantos escritores»

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