MARINHEIROS
Episódio Nº 37
Vasco perdeu a cabeça, começou a gritar. Afinal mais de cinquenta por cento das quotas lhe pertenciam, podia decidir sozinho. Ainda mais blandicioso, o espanhol concordou. E vendo o furor do patrão, propôs uma fórmula, capaz de tudo conciliar.
Giovanni despedido estava, despedido
continuaria. Mas, eles dois, seu Vasco e Menendez, lhe garantiriam a
subsistência, dando-lhe um dinheiro mensal com o qual viver, pagar quarto e
comida. Assim estaria tudo resolvido.
Essa proposta foi o começo de longas
negociações, pois o negro velho não admitia ter de deixar o depósito, de
mudar-se, nem sequer para a casa de Vasco. Finalmente chegaram a um acordo:
continuou Giovanni como vigia nocturno, com metade do ordenado anterior, paga a
outra metade do bolso de Vasco. O negro, ao agradecer, renovou o aviso:
- Patrãozinho, tome tento com esse
galego. Isso é bicho ruim, não vale nada...
Para Vasco, Menendez era o descanso, a
despreocupação. Passava no escritório por descargo de consciência, trocava umas
palavras com o espanhol, vagamente ouvia-o falar dos negócios, ia ver Giovanni
no depósito.
Demorava pouco, tinha sempre um encontro
marcado com um dos seus vários amigos, aquela turma à qual agora pertencia ou,
num castelo, esperava-o mulher nova, conqui sta
recente.
Solteiro, apaixonando-se facilmente, não
medindo dinheiro, pródigo, quase perdulário, brigando para pagar as contas nos
bares e nos cabarés, era popular entre o mulherio, e, quando se engraçava com
uma delas, enrabichava-se, montava-lhe casa, enchia-a de presentes.
Ultimamente apaixonara-se por Dorothy,
rapariga mantida na pensão de Carol pelo doutor Roberto Veiga Lima, médico rico
e sem clínica, célebre no meretrício por seus ciúmes violentos e pela
brutalidade.
Era de certa maneira o oposto de Vasco,
as mulheres fugiam dele apesar de seu dinheiro: por um nada qualquer espancava
a rapariga, havia quem dissesse ser um vício aquela sua mania de surrar as
companheiras de leito.
Dorothy, ele a trouxera do interior, de
uma Viagem a Feira de Sant’Ana. Mantinha-a quase prisioneira, ameaçando-a a
cada momento, e Carol lamentava ter aceite hospedá-la na Pensão Monte Cario.
Não pudera recusar, Roberto era freguês
habitual, gastava muito, sua família gozava de prestígio. Estava, no entanto,
arrependida. A pobre Dorothy vivia mais presa do que freira em convento,
Roberto aparecia nas horas mais inesperadas, ameaçando a infeliz com pancada.
À noite, no salão de danças, era aquele
espectáculo: atracado com Dorothy, exibindo-se no tango e no maxixe, pronto a
se ofender e a promover escândalo se algum outro freguês dirigisse um olhar ou
um sorriso para a pobre infeliz.
Carol, confidente universal, sabia do
interesse de Vasco, e sabia também estar Dorothy por ele enxodozada. Naqueles
meses na Pensão Monte Carlo, a moça aprendera muito, já não era a inexperiente
tabaroa descoberta em Feira pelo médico, não desejava outra coisa senão
libertar-se do violento protector para cair nos braços do comerciante simpático
e liberal.
A essa paixão complicada e difícil
atribuíam Carol e Jerónimo a melancólica expressão dos olhos de Vasco.
O comandante pensava ser outra a causa,
moça donzela, namoro com intenções de casamento, loucura para a qual Dorothy
seria o bom remédio, a infalível medicina.
O coronel discordava de uns e de outros,
diagnosticando uma incurável tristeza permanente, anterior a todas aquelas
histórias, vinha de longa data.
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