segunda-feira, março 24, 2014

Patrãozinho, tome tento com este galego...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 37











Vasco perdeu a cabeça, começou a gritar. Afinal mais de cinquenta por cento das quotas lhe pertenciam, podia decidir sozinho. Ainda mais blandicioso, o espanhol concordou. E vendo o furor do patrão, propôs uma fórmula, capaz de tudo conciliar.

Giovanni despedido estava, despedido continuaria. Mas, eles dois, seu Vasco e Menendez, lhe garantiriam a subsistência, dando-lhe um dinheiro mensal com o qual viver, pagar quarto e comida. Assim estaria tudo resolvido.

Essa proposta foi o começo de longas negociações, pois o negro velho não admitia ter de deixar o depósito, de mudar-se, nem sequer para a casa de Vasco. Finalmente chegaram a um acordo: continuou Giovanni como vigia nocturno, com metade do ordenado anterior, paga a outra metade do bolso de Vasco. O negro, ao agradecer, renovou o aviso:

- Patrãozinho, tome tento com esse galego. Isso é bicho ruim, não vale nada...

Para Vasco, Menendez era o descanso, a despreocupação. Passava no escritório por descargo de consciência, trocava umas palavras com o espanhol, vagamente ouvia-o falar dos negócios, ia ver Giovanni no depósito.

 Demorava pouco, tinha sempre um encontro marcado com um dos seus vários amigos, aquela turma à qual agora pertencia ou, num castelo, esperava-o mulher nova, conquista recente.

Solteiro, apaixonando-se facilmente, não medindo dinheiro, pródigo, quase perdulário, brigando para pagar as contas nos bares e nos cabarés, era popular entre o mulherio, e, quando se engraçava com uma delas, enrabichava-se, montava-lhe casa, enchia-a de presentes.

Ultimamente apaixonara-se por Dorothy, rapariga mantida na pensão de Carol pelo doutor Roberto Veiga Lima, médico rico e sem clínica, célebre no meretrício por seus ciúmes violentos e pela brutalidade.

Era de certa maneira o oposto de Vasco, as mulheres fugiam dele apesar de seu dinheiro: por um nada qualquer espancava a rapariga, havia quem dissesse ser um vício aquela sua mania de surrar as companheiras de leito.

Dorothy, ele a trouxera do interior, de uma Viagem a Feira de Sant’Ana. Mantinha-a quase prisioneira, ameaçando-a a cada momento, e Carol lamentava ter aceite hospedá-la na Pensão Monte Cario.

Não pudera recusar, Roberto era freguês habitual, gastava muito, sua família gozava de prestígio. Estava, no entanto, arrependida. A pobre Dorothy vivia mais presa do que freira em convento, Roberto aparecia nas horas mais inesperadas, ameaçando a infeliz com pancada.

À noite, no salão de danças, era aquele espectáculo: atracado com Dorothy, exibindo-se no tango e no maxixe, pronto a se ofender e a promover escândalo se algum outro freguês dirigisse um olhar ou um sorriso para a pobre infeliz.

 Carol, confidente universal, sabia do interesse de Vasco, e sabia também estar Dorothy por ele enxodozada. Naqueles meses na Pensão Monte Carlo, a moça aprendera muito, já não era a inexperiente tabaroa descoberta em Feira pelo médico, não desejava outra coisa senão libertar-se do violento protector para cair nos braços do comerciante simpático e liberal.

A essa paixão complicada e difícil atribuíam Carol e Jerónimo a melancólica expressão dos olhos de Vasco.

O comandante pensava ser outra a causa, moça donzela, namoro com intenções de casamento, loucura para a qual Dorothy seria o bom remédio, a infalível medicina.

O coronel discordava de uns e de outros, diagnosticando uma incurável tristeza permanente, anterior a todas aquelas histórias, vinha de longa data.

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