segunda-feira, abril 21, 2014

Comandante Aragãosinho, meu rico Capitão...
OS VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio Nº 60












- Agora - disse o coronel quando tudo terminara e Vasco segurava amorosamente o diploma - vamos comemorar. Comandante Vasco Moscoso de Aragão, leão dos mares, tome do leme, leve-nos às putas!


De como se constrói um velho marinheiro, sem navio e sem navegação


Nunca, jamais, na história da navegação, foi tão honrado o posto de capitão de longo curso, tão zelosamente usado o título de comandante, como por Vasco Moscoso de Aragão, com seu diploma enquadrado em moldura dourada, na parede da sala, sua pose de homem de fibra temperada nos mares distantes, sua dignidade de experiente lobo-do-mar.

Mandara imprimir a toda pressa cartões de visita, seu nome precedido do título, seguido do posto. Passava pelas casas de famílias conhecidas, relações feitas nas festas de Palácio e nas recepções onde era convidado, e deixava-lhes cartões com os cumprimentos do Comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão de longo curso.

Exigia o título, não admitia mais o vergonhoso “seu” a antecipar-lhe o nome.

- Como vai, seu Vasco?

- Perdoe o amigo. Comandante Vasco, capitão-de-longo-curso.

- Não sabia, desculpe.

- Pois fique sabendo e faça-me o favor de não esquecer - entregava o cartão de visita do qual fez grande gasto, sobretudo nos primeiros tempos.

Nos castelos e pensões, quando interessada mulherzinha passava-lhe os braços em torno ao pescoço e a ele se agarrava, murmurando:

- Seu Aragãozinho...

... ele reagia, paciente e firme:

- Filhinha, não sou “seu Aragãozinho”, tenho um título, sou o Comandante Aragão, da Marinha Mercante.

Até Carol foi obrigada a mudar o tratamento ao saudá-lo no alto da escada, rolando agora as sílabas em deleitosa melodia:

- Comandante Aragãozinho, meu rico Capitão...

O coronel e o capitão dos portos davam o exemplo, comandante para cá, comandante para lá, em torno ao bilhar, na mesa de poker bebendo cerveja ou estourando champanhe.

E até o Governador, ciente do caso e da felicidade nova a inflamar o peito do generoso amigo de seu sobrinho, abriu os braços ao vê-lo pela primeira vez após a cerimónia de diplomação:

- Como vai essa bizarria, Comandante?

 Inclinou-se Vasco comovido:

- Ao serviço de Vossa Excelência, meu Governador.

No escritório da firma Moscoso & Cia. Ltda., onde aparecia agora apenas uma ou duas vezes por semana como se o cheiro mercantil do bacalhau e do charque repugnasse as suas narinas impregnadas de maresia, as ordens tinham sido categóricas, de Menendez a Giovanni: proibição terminante de pronunciar-se o nome do patrão sem dar-lhe o título de comandante.

Site Meter