sábado, abril 19, 2014

O Título de Vasco era dos verdadeiros
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 59












Da navegação astronómica ao Direito Internacional Marítimo, capítulo extremamente erudito.


Durante um mês riu às gargalhadas o Comandante Georges Dias Nadreau, gozando o nervosismo de Vasco, seu esforço de aluno aplicado, cobrando-se assim do favor que lhe prestava.

Divertiam-se também o coronel, Jerónimo e Lídio, o Tenente Mário e o Tenente Garcia. Vasco chegara a emagrecer, tanto zelo empregava na tarefa de decorar as respostas complicadas às três perguntas de cada matéria, repletas de sextantes, ventos e correntes marítimas, fretes, mares territoriais e mares internos, higrómetros, indicações magnéticas, uma confusão.

Todas as tardes, por ordem expressa do comandante, submetiam o alarmado candidato a uma sabatina. A princípio, Vasco embrulhava-se nas palavras desconhecidas, a memória refractária àqueles termos arrevesados, o Tenente Garcia ameaçando reprová-lo. Era um custo levá-lo para o bilhar, o poker, as mulheres, queria Vasco gastar as noites no estudo.

Mário e Garcia viveram à tripa forra durante aqueles trinta dias. Vasco convidava-os diariamente para jantar, pagava-lhes aperitivos, vinho português do bom e do melhor, ceias na Pensão Monte Carlo.

Pouco a pouco foi-se assenhorando das respostas, familiarizando-se com os nomes esdrúxulos dos instrumentos de bordo. Na Capitania dos Portos, o Tenente Mário mostrou-lhe um dia alguns daqueles objectos, Vasco entusiasmou-se. Pareciam-lhe belos e apaixonantes, começava a amar sua nova profissão.

O pior de tudo foi ter de copiar, com sua letra, o trabalho elaborado pelo Tenente Mário, “sua tese de formatura”, como costumava dizer.

Longo, de trinta e duas páginas de escrita incompreensível, como se o rapaz fosse médico e não oficial da Marinha, e cheio de borrões.

Passava as manhãs a copiá-lo, trancado na sala, a criada proibida de abrir a porta para quem quer que fosse.

Entregue e aprovado o trabalho, marcou-se finalmente o dia do exame oral. Cerimónia solene, com o coronel presente e fardado, Dr. Jerónimo e o Tenente Lídio Marinho.

Marinheiros em posição de sentido guardavam a porta da sala, onde a banca examinadora, constituída pelo Comandante Nadreau e os dois joviais tenentes da Marinha, sentava-se cheio de gravidade ante a grande mesa repleta de objectos e mapas.

Pálido e emocionado, Vasco foi introduzido por um marinheiro, repetindo em voz baixa, numa última rememoração, as perguntas e respostas.

Ouviu seu nome proclamado enfaticamente por Georges, aproximou-se, sentou-se rígido na cadeira em frente à mesa, o coração aos saltos. Mas as respostas saíram-lhe fáceis e correctas, sem um erro, sem um deslize de pronúncia sequer.

Aprovado plenamente, o diploma foi expedido, assentados num livro da Capitania dos Portos o nome e o endereço do novo capitão de longo curso.

Cada vez que mudasse de casa devia comunicar à Capitania a nova residência. Era um livro grosso, de capa verde e encadernada, com as armas da República.

 Em cada página um nome, com a data do concurso, a qualidade da aprovação, números e referências, a idade, o estado civil, o endereço do titular.

Poucas páginas preenchidas, uns quantos nomes apenas antes do nome de Vasco. E quase todos possuidores apenas de “cartas de borracha” como eram chamados os títulos dos comandantes de navios fluviais, para cuja obtenção dispensava-se o trabalho escrito e reduzia-se o exame oral.

Eram esses títulos facilitados aos comandantes de barcos a vapor no rio São Francisco, aos quais era vedada a navegação marítima, os caminhos do oceano.

 O título de Vasco era dos verdadeiros, dava-lhe o domínio dos rios, dos grandes lagos e dos mares, estava autorizado e tinha direito a comandar navios de todas as nacionalidades e bandeiras, em todas as rotas, nos cinco oceanos. Armado com o Direito Internacional Marítimo e a ciência da navegação astronómica.

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