sábado, abril 19, 2014

Afonso Henriques

- O Nosso 1º Rei – O Fundador


Extraído da Obra de Aquilino
Ribeiro – Príncipes de Portugal -
- Suas Grandezas e Misérias.




No seu leito de agonizante, voz sumida e entrecortada, olhos gázeos de quem está a passar as alpodras para as paragens de que nunca mais se volta, o conde D. Henrique ditava ao filho as últimas vontades. Era nos paços de Astorga:

 - Desta terra que te deixo, não percas um palmo. Ganhei-a à custa de muito esforço e trabalho. Convoca os Concelhos para que te prestem homenagem e leva-me depois a enterrar a Santa Maria de Braga, que eu povoei. Mas regressa depressa, que esta vila deves guardar a todo o preço, pois daqui podes romper adiante à conquista de terra.

Se te parecer mais seguro, manda-me a enterrar com alguns vassalos meus e teus. E eu te abençoo, filho do coração, para que sejas sempre ao serviço de Deus com muita e prosperada honra.

O Infante, logo que o pai cerrou os olhos, tratou de cumprir o que ele ordenara. Entre acompanhar ou não o corpo à sepultura, quis proceder como os conselhos determinassem. E ele lá foi, a alma de luto carregada de pesares e sobressaltos.

Quando voltou a mata-cavalo, encontrou a terra asonhoreada por seu primo, rei de Castela.

Foi esta a primeira e dura lição aos seus crédulos e inexperientes anos. E agora?

Volveu a Portugal para levantar gente e não encontrou castelo ou choupana onde se acolher.

Que sina a sua!

Por um lado, esbulham-no no que era seu e por outro escorraçavam-no como desmancha-prazeres e aventureiro.

Sua mãe, D. Teresa, não podia fugir à matéria de que era feita sua irmã, D. Urraca, que todos os historiadores dão como uma maluca de tomo, infiel a dois maridos com vários amantes e aos amantes com quantos bonifrates souberam falar aos seus bonitos olhos.

Ainda o corpo do conde D. Henrique não arrefecera na campa já ela se matrimoniava com D. Vermuim Peres de Trava, fidalgo galego  de muita prosápia e ainda a lua-de-mel não era transcorrida, viera o irmão deste, Fernando Pernes de Trava, conde da Trastâmara e porque, fosse ele muito abutre ou ela muito garça, tomou-lha.

O que se esqueceram foi de explicar como foi possível acomodar o direito canónico com tão volúvel fantasia de mariposa.

Por toda a Galiza e terras portucalenses não houve frade nem leigo que não levasse a mão à testa a benzer-se.

Quando o infante D. Henrique se viu desagasalhado de todo porquanto a terra que o pai lhe deixou se alçara para a mãe e para o conde da Trastâmara, correu trancos e barrancos como um lobato sem covil.

Por artes e manhas conseguiu introduzir-se nos castelos de Feira e de Neiva, que ergueram pendão por ele e, daqui, desatou a guerrear com o padrasto, fazendo-lhe quanto mal podia e não lhe deixando um instante de tranquilidade.

Então, o padrasto, Fernando Peres de Trava, propôs-lhe o seguinte acordo:

- Acabemos com isto, que estas sarrafuscas não conduzem a nada mais do que a moermos a paciência de parte a parte.

Proponho-vos que nos encontremos onde e quando quiserdes, e quebremos lanças. A sorte das armas dirá quem há-de sair de Portugal, eu ou vós.

Aceitou o Infante o desafio, todavia não sem que primeiro retorquisse ao conde:

 - Sair eu de Portugal? Deus não há-de permitir que a rosa do sol cubra tal iniquidade! A terra é minha que muito bem a ganhou meu pai.

 - Minha é que ela é – replicou Dª Teresa – que ma deu e deixou D. Afonso de Castela, meu pai e imperador.

 - Pois ver-se-á quem é o dono.

Encontraram-se nos arrabaldes de Guimarães e Dª Teresa estava ao lado do conde a ampará-lo na peleja com suas amabilidades de amor.

O Infante foi desbaratado e só o galope de um bom ginete o pôde salvar. A uma légua de Guimarães corria a bom correr quando topou com a hoste de Egas Moniz, seu aio. Assim que este foi inteirado do corrente da batalha, repreendeu severamente o Infante, dizendo-lhe:

 - Andaste mal em cometer o combate, sem eu estar. Mas tornemos atrás que talvez ainda seja tempo de virar a roda da fortuna.

Volveram ao campo e, porque o Infante atacasse de improviso, a gente do conde estivesse quebrantada da refrega havida antes, ou porque defrontasse agora menor poder, ganharam a batalha.

O conde saiu de Portugal, como cumpria a sua palavra de cavaleiro, mas a mãe, que fora impiedosa e a quem guardava rancor, sem falar na sua desumanidade, pelo opróbrio lançado à memória do conde D. Henrique, meteu-a em ferros, pouco caso fazendo das suas juras e imprecauções:

 - Maldito sejais, filho D. Afonso, víbora que trouxe nove meses nas entranhas! Deserdais-me da terra que me deixou meu pai, quitais-me meu marido, e ainda por cima me prendeis!... Terás o pago! Hoje deitais-me ferros às pernas que vos trouxeram quando eras menino, mas com ferros haveis de ter as vossas quebradas, que a Deus o peço e Deus Nosso Senhor há-de ouvir-me!

Além das maldições, que era o menos, teve artes Dª Teresa de passar recado a D. Afonso VII de Castela, estimulando-o que, pois Portugal lhe pertencia de direito, viesse, tanto por recobrar o que era seu como pelo que devia à virtude, acudir a sua tia, arrancada ao marido e metida em prisão tão desonesta.

O rei castelhano, que era impulsivo e grandioso mandou logo aprestar os seus homens de armas de Castela, Leão e Galiza e, em grande espavento, marchou contra o Infante de Portugal.

Este saiu-lhe ao encontro em Arcos de Val-de-Vez, infligindo-lhe tal derrota que lhe aprisionou sete condes e infinitos cavaleiros e ele, ferido com duas lançadas, teve de largar à rédea solta para Toledo, com medo de perder aquela cidade.

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