quinta-feira, abril 24, 2014

Comandante sem cachimbo,a pitar não era comandante...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 63













Não iria mais perder aquela mania de comprar instrumentos náuticos. Terminaria, vários anos depois, por adquirir um telescópio a um aventureiro alemão de passagem pela cidade.

 Tentara o germânico explorar o objecto na via pública, cobrando um mil-réis de cada cliente interessado em olhar o céu de perto, aproximar a Lua e as estrelas. Fracassada a tentativa, conta de pensão a pagar, foi o telescópio para a casa da Rua dos Barris, de onde aliás projectava o comandante mudar-se.

A sua peça predilecta, na colecção a crescer, era a miniatura de um navio, o Benedict, de meio metro, reproduzindo em seus mínimos detalhes um barco de passageiros, colocada dentro de uma caixa de vidro.

 Fora um presente de Jerónimo, no aniversário de Vasco. O jornalista descobrira aquilo no porão do Palácio, a caixa coberta de poeira, jogada num canto como coisa imprestável. Vasco delirou, não tinha palavras para agradecer.

Numa das suas longas conversas com Giovanni, veio a saber ser hábito dos oficiais de bordo, sobretudo dos comandantes, o uso do cachimbo.

Comandante sem cachimbo a pitar não era comandante, na abalizada opinião do negro velho. No dia seguinte, Vasco surgiu na roda atrapalhado com um cachimbo inglês, diabo difícil de fumar-se, apagando a cada momento. Aprendeu com o tempo, não tardou a possuir vários, de matérias e formas diferentes, de madeira e porcelana, de espuma-do-mar.

De quando em vez, no começo da tarde, ia Vasco visitar o Comandante Georges Dias Nadreau, na Capitania dos Portos. Envergava o uniforme de trabalho, o boné na cabeça, um cachimbo no queixo. Da janela da Capitania olhava o mar, atento acompanhava a atracação dos navios.

Um dia foi apresentado, num bar, onde esperava o coronel, a um senhor de Pilão Arcado. Ficaram os dois a conversar, o Sertanejo encantado com aquelas relações citadinas:

- Então o senhor é comandante de navio?... Mas de navio de verdade, não daqueles do rio que vivem encalhando... Deve ter muito o que contar. Me diga uma coisa: o senhor já viajou lá para as bandas da China e do Japão?

Pousaram-se no bronzeado rosto do homem de Pilão Arcado os olhos inocentes do comandante:

- Na China e no Japão? Várias vezes, sim, senhor... Conheço aquilo tudo...

- E me diga uma coisa que tenho muita vontade de saber: - o interesse jogava-o para a frente sobre a mesa - é verdade que as mulheres de lá são peladas, só têm cabelo na cabeça, no resto nem um fio, e que o xibiu delas é atravessado? Me contaram essa conversa...

- Mentira, andaram lhe bobeando. Não tem nada disso. São como as de toda parte, só que mais apertadas, uma gostosura...

- De verdade? Como são? O senhor andou com muitas?

- Uma vez em Shangai saí pela rua sem destino... Num beco esconso deparei com uma chinesa chorando. Chamava-se Liú...

Acendiam-se os olhos do rude sertanejo, enquanto o Comandante Vasco Moscoso de Aragão perdia-se nos mistérios de Xangai, em vertigens de ópio, conduzido por Liú, uma chinesinha de laca e de marfim. 

Site Meter