segunda-feira, abril 14, 2014

Isabel Moreira

Os Ateus Segundo
o Paternalismo de 
um Crente







O padre João António Teixeira vem explicar aqui que os ateus são crentes ao contrário. Que, explica, é claro que o ateu "acha que a sua posição é racional, científica. Ele acha que tem provas evidentes de que Deus não existe".

A partir desta definição errada do ateu, o padre João António Teixeira avança por trechos poéticos convenientes e divaga por afirmações sobre a experiência que leva a deus ou à inexistência dele para concluir bondosamente que há quem não negue deus, mas a "nós", isto é, aos homens de deus, aos crentes, aos exemplos que se comportam como ateus, quando há ateus que se comportam como crentes (como se fosse deus a inspirá-los).

Conclui que ninguém está longe de deus. Isto cansa!

O ateu, aquele que nega a crença na existência de deuses, seja um, seja mais de um, não parte do princípio que tem de provar cientificamente e racionalmente que não existe um deus ou que não existem vários deuses.

Pelo contrário, o ateu constata que não há nada de racional e de científico na crença que afirma, precisamente, a existência de tais divindades. Como facilmente se compreende, o ónus da prova não é do ateu, mas de quem afirma a existência de seres transcendentais.

O verdadeiro ateu - e não o poeta que está angustiado com a dúvida da fé -, sabe que a verdade das coisas se atesta pela demonstração e não aceita o salto (i)lógico do teísta que consiste em resolver uma dúvida para a qual a ciência ainda não tem resposta com a palavra deus.

Concretizando, já conhecemos explicações para muita coisa que se atribuía a deus, explicações essas que foram negadas como blasfémias e punidas com a morte, hoje pacificamente aceites. Afinal não era deus. O ateu acredita nessa aventura interminável que é a busca de respostas para os mistérios do universo e da humanidade. Simplesmente, quando não obtém respostas não apela aos céus.

Por tudo o que aqui se explica, naturalmente não pode o ateu estar "desiludido" com deus ou com os crentes.

Essa afirmação resulta de um paternalismo recorrente que considera que para se ser ateu tem de se ter padecido de alguma maleita, no caso espiritual. Alguém fez mal ao coitadinho do ateu. O ateu está ferido com deus ou com o comportamento de alguns crentes que mais parecem ateus, esses malvados. Isto - pasme-se - quando até há ateus que se comportam "como se fosse Deus a inspirá-los".

Imagino que isto deva querer dizer que há ateus decentes. Agradecida.

Isabel Mayer Moreira


NOTA

Este texto é de autoria de Isabel Mayer Moreira, Constitucionalista e Assistente Universitária, filha de Adriano Moreira, um dos pilares da direita portuguesa e meu distinto Prof. no início da década de sessenta.

Tem toda a razão a DrªIsabel Moreira neste texto, chamemo-lo de "desabafo", às afirmações do padre João António Teixeira sobre os não crentes.

Este "pastor" de um dos grandes "rebanhos" de crentes da humanidade arroga-se da sobranceria própria de quem pretence ao grupo dos "iluminados da fé" dotados de uma "bondade" e "complacência" para os que eles julgam de tresmalhados.

Eu compreendo o fenómeno da fé, respeito-o, embora não o leve em consideração quando avalio o meu semelhante. Há de uns e outros fora e dentro do mundo das crenças, embora tema o que o homem é capaz de fazer por causa delas.

Assumindo a minha condição de não crente não me sinto predestinado, eleito, apenas um ser vivo especialmente dotado pela evolução da vida sobre o nosso planeta.

Esses "dotes"- razão e inteligência - que permitiram aos meus antepassados vencerem a luta pela sobrvivência e afirmarem-se como a espécie dominadora, perigosamente dominadora, ajudaram-me a tomar consciência profunda da minha condição de integrante do conjunto da natureza à face da Terra com especiais responsabilidades e não mais do que isso.

Por esta razão, não tenho nenhum motivo, para abandonar uma atitude de humildade sem pretender "protecções", "prémios" ou recear "castigos" provenientes de deuses ou entidades que a minha capacidade de entendimento se recusa a aceitar.

 Sei que existe no nosso cérebro um "espaço da fé" tal como nele existem outros "espaços". "Acreditar", foi muito importante, talvez decisivo em fases recuadas da nossa luta pela sobrevivência. Mais tarde, foi naturalmente aproveitado por alguns homens que mobilizaram e arregimentaram outros para as religiões que encontram um eco sincero dentro de nós... por isso é mais fácil ser crente do que não crente.

Vamo-nos respeitar todos, uns aos outros, sem preconceitos ou complexos de superioridade ou inferioridade... está bem, senhor padre?

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