Mulher paga por ele era assim, de rédea curta e tempo ocupado. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio nº 50
E
entre elas destacava-se, não pelos dotes de beleza, mas pelos requi ntados conhecimentos do metier, a famosa Madame
Lulu, indiscutivelmente francesa, com mais de 30 anos de prática, tão celebrada
e afreguesada que mantinha em permanência uma fila de clientes à sua espera.
E, por mais rápido que ela trabalhasse,
sempre alguns sobravam para o dia seguinte. De um coronel do interior,
fazendeiro para os lados de Amargosa, contava-se ter vindo expressamente à
Bahia para um tête-à-tête com tão solicitada e competente cortesã, contando
passar apenas dois dias na capital.
Teve de demorar-se uma semana, tão
comprometido estava o tempo da insigne parisiense que concorreu como ninguém,
na Bahia, para a influência da cultura e da civilização da França Eterna sobre os
hábitos brasileiros.
Gastou o fazendeiro uma semana e quase
um conto de réis, na época uma fortuna, em passagens, hotel, comida e outras
despesas mas, como ele próprio declarou ao embarcar de volta, “foi barato,
valia outra semana e outro conto”.
Qualquer elogio à competência de Madame
Lulu e ao Castelo de Sabina faz-se supérfluo após esse testemunho.
O capitão dos portos propunha nada mais
nada menos do que a invasão, pelos voluntários e vitoriosos raptores de
Dorothy, do Castelo de Sabina, fortaleza defendida da curiosidade pública pelas
janelas hermeticamente fechadas, cuja porta apenas se entreabria para
fregueses, amigos e conhecidos ou pessoas recomendadas.
Transportando de lá, após a abordagem, a
batalha e a vitória, para a Pensão Monte Cario, todo o mulherio, inclusive
Madame Lulu, e entregando aquela população estrangeira e trabalhadora a Carol
para que a explorasse como escravos de guerra.
Era Carol merecedora disso e de muito mais,
afirmava o Comandante Georges erguendo sua taça para brindar às qualidades de
carácter e de coração da serena anfitriã a sorrir, bondosa e realizada, em sua
cadeira austríaca de balanço.
Com certa dificuldade, conseguiram os
amigos dissuadir o Comandante Georges de seus planos bélicos. Não puderam, no
entanto, impedi-lo de lavar os pés de Carol com champanhe, numa suprema
homenagem.
Enquanto os amigos assim comemoravam o
êxito do rapto, na casinha distante, nos confins de Amaralina, alugada há
vários dias, circundada pelos ventos do oceano, iluminada pela lua cheia
especialmente disposta pelo romântico Tenente Lídio Marinho, ouvindo o rumor
das ondas contra os rochedos e aspirando o excitante odor da maresia, Vasco
Moscoso de Aragão tomava nos braços, como ansioso noivo em noite nupcial, o
frágil corpo de Dorothy, abandonando intocados o frango tenro, o presunto
inglês, o lombo frio, as maçãs e peras, as uvas espanholas, tendo apenas
umedecido os lábios no champanhe.
Outras eram a sede e a fome antigas e
exigentes a devorá-los, não se aplacavam com pão e vinho, era sede de beijos e
carícias, fome de entrega e posse, de viver e morrer nos braços um do outro.
Ao mesmo tempo, ainda tremendo, trancado
a sete chaves na
casa paterna em Nazaré, o doutor Roberto
Veiga Lima perguntava-se a explicação daquele mistério terrível:
os homens embuçados em máscaras negras, de meia, a invadirem a
Pensão Monte Cario em plena luz meridiana, armados até os dentes, proferindo
ameaças e juras, arrancando-o do leito de Dorothy.
Vira a morte naquele dia,
ainda sentia um frio no coração.
Acontecera na hora qui eta do meio da tarde quando a pensão enchia-se de
silêncio e paz. As mulheres andavam pelas ruas, às compras, em passeios, no
cinema por ser qui nta-feira, dia de
matiné. Os garçons só chegariam às cinco, a própria Carol muitas vezes
aproveitava aquele intervalo no movimento para ir aos bancos ou visitar seus inqui linos, cobrar os aluguéis de suas casas.
Só Dorothy jamais saía, proibida de qualquer
passeio ou diversão a não ser em companhia de Roberto. Por isso mesmo ele
sentia-se na obrigação de vir àquela hora diariamente, estendia-se com Dorothy
na cama, cobrava-se do dinheiro gasto. Por vezes levava-a para jantar, voltavam
à noite para dançar e beber, ele só a deixava para regressar à casa dos pais,
onde vivia, pela madrugada. Mulher paga por ele era assim, de rédea curta e
tempo ocupado.
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