Não sou igual a vocês, não sou... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 55
Começaram a beber ainda cedo, antes da
cerimónia do pedido. Continuaram durante o jantar oferecido pelo sogro no
palacete do Campo Grande, com vinho português e champanhe francês.
Quando chegaram à Pensão Monte Carlo, grande
comitiva de amigos e mulheres, encontraram o salão enfeitado de bandeirolas de
papel de seda, as pequenas todas nos trinques, os garçons e a orquestra a
postos, e nenhum cliente. Carol, numa comovente prova de amizade, dispensara os
demais fregueses naquela noite, reservara toda a Pensão para eles.
A roda crescera muito para tão
importante comemoração. Tinham vindo oficiais do 19, da Capitania dos Portos,
da Polícia Militar, colegas do Palácio.
O Comandante Nadreau fora de pensão em
pensão, de castelo em castelo, arrebanhando todos os casos conhecidos do
tenente, para fazer-lhe uma surpresa.
Marcara encontro com todo aquele
mulherio na Pensão Monte Carlo e com outras várias, inclusive Madame Lulu,
encarregada do discurso de saudação a Lídio, no mais puro francês das
maisons-clooses de Paris.
Georges e Vasco haviam tomado a frente
da preparação da festa, queriam algo nunca visto, a superar qualquer outra
realizada antes.
Quando chegaram ao jantar de noivado já
estavam altos, o comandante rindo sem parar, o comerciante macambúzio como de
hábito quando bebia muito.
Em cada pensão e castelo visitado
emborcavam um trago, recusar seria uma indelicadeza com a Madame e as meninas.
Foi realmente festa sem comparação,
esbórnia memorável, farra a inscrever-se nos anais da cidade, pois de
madrugada, em ceroulas os homens, as mulheres de espartilho, realizaram um
desfile na Praça do Teatro para gáudio dos transeuntes retardatários, ante o
olhar impotente dos guardas e policiais.
Só se fossem loucos iriam meter-se a
impedir a original manifestação, quando à frente do cortejo, empunhando uma
garrafa de champanhe, cantando com voz roufenha, reconheciam o Dr. Jerónimo
Paiva, sobrinho do Governador.
Pelo meio da festa, quando mais animados
estavam, após a demonstração de canção oferecida por Madame Lulu, Georges anunciou
ao Coronel Pedro de Alencar, apontando Vasco cuja tristeza aumentava a cada
taça:
- Vou pegar o touro a unha, esse fistula
vai me dizer o que é que ele tem . . .
Largou a mulata Clarice instalada em
seus joelhos, tomou Vasco pelo braço, arrastou-o para um canto deserto da sala:
- Seu Aragãozinho, é hoje que você vai
me dizer que espécie de merda tem atravessada no peito. Abra a boca e vomite a
história.
- Que história?
- História ou mulher ou doença ou
remorso de um crime, o que for. Quero saber por que diabo essa sua tristeza . .
.
Vasco fitou o amigo, sentiu sua
lealdade, seu solidário interesse, o capitão dos portos era um homem bom.
- O que me acabrunha é, no fundo, uma
tolice. Mas não posso deixar de me incomodar, de pensar nisso...
- Nisso, o quê? - era o momento
culminante, Georges ficara inteiramente lúcido, curado da carraspana.
- Não sou igual a vocês, não sou...
- Não é, o quê?
- Igual a vocês, compreende?
- Não...
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