terça-feira, abril 15, 2014

Não sou igual a vocês, não sou...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 55










Começaram a beber ainda cedo, antes da cerimónia do pedido. Continuaram durante o jantar oferecido pelo sogro no palacete do Campo Grande, com vinho português e champanhe francês.

 Quando chegaram à Pensão Monte Carlo, grande comitiva de amigos e mulheres, encontraram o salão enfeitado de bandeirolas de papel de seda, as pequenas todas nos trinques, os garçons e a orquestra a postos, e nenhum cliente. Carol, numa comovente prova de amizade, dispensara os demais fregueses naquela noite, reservara toda a Pensão para eles.

A roda crescera muito para tão importante comemoração. Tinham vindo oficiais do 19, da Capitania dos Portos, da Polícia Militar, colegas do Palácio.

O Comandante Nadreau fora de pensão em pensão, de castelo em castelo, arrebanhando todos os casos conhecidos do tenente, para fazer-lhe uma surpresa.

Marcara encontro com todo aquele mulherio na Pensão Monte Carlo e com outras várias, inclusive Madame Lulu, encarregada do discurso de saudação a Lídio, no mais puro francês das maisons-clooses de Paris.

Georges e Vasco haviam tomado a frente da preparação da festa, queriam algo nunca visto, a superar qualquer outra realizada antes.

Quando chegaram ao jantar de noivado já estavam altos, o comandante rindo sem parar, o comerciante macambúzio como de hábito quando bebia muito.

Em cada pensão e castelo visitado emborcavam um trago, recusar seria uma indelicadeza com a Madame e as meninas.

Foi realmente festa sem comparação, esbórnia memorável, farra a inscrever-se nos anais da cidade, pois de madrugada, em ceroulas os homens, as mulheres de espartilho, realizaram um desfile na Praça do Teatro para gáudio dos transeuntes retardatários, ante o olhar impotente dos guardas e policiais.

Só se fossem loucos iriam meter-se a impedir a original manifestação, quando à frente do cortejo, empunhando uma garrafa de champanhe, cantando com voz roufenha, reconheciam o Dr. Jerónimo Paiva, sobrinho do Governador.

Pelo meio da festa, quando mais animados estavam, após a demonstração de canção oferecida por Madame Lulu, Georges anunciou ao Coronel Pedro de Alencar, apontando Vasco cuja tristeza aumentava a cada taça:

- Vou pegar o touro a unha, esse fistula vai me dizer o que é que ele tem . . .

Largou a mulata Clarice instalada em seus joelhos, tomou Vasco pelo braço, arrastou-o para um canto deserto da sala:

- Seu Aragãozinho, é hoje que você vai me dizer que espécie de merda tem atravessada no peito. Abra a boca e vomite a história.

- Que história?

- História ou mulher ou doença ou remorso de um crime, o que for. Quero saber por que diabo essa sua tristeza . . .

Vasco fitou o amigo, sentiu sua lealdade, seu solidário interesse, o capitão dos portos era um homem bom.

- O que me acabrunha é, no fundo, uma tolice. Mas não posso deixar de me incomodar, de pensar nisso...

- Nisso, o quê? - era o momento culminante, Georges ficara inteiramente lúcido, curado da carraspana.

- Não sou igual a vocês, não sou...

- Não é, o quê?

- Igual a vocês, compreende?

- Não...

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