O Major Vasco Moscoso de Aragão, da Cavalaria, pois a cavalo.... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 44
Depois de absolver o assassino, via-se em mangas de camisa, suspensórios negros, luvas de borracha, máscara de pano a cobrir-lhe o rosto na sala de operações, era o Doutor Vasco Moscoso de Aragão, médico com estágio nos Hospitais de Paris e Viena, cirurgião (não admitia outra especialidade) famoso, mãos firmes e delicadas, abrindo a barriga do Governador ante o olhar atento e ansioso dos parentes, de Jerónimo, dos políticos, estudantes e enfermeiras.
A súbita enfermidade, o charme público,
a ameaça de morte se a operação não fosse tentada imediatamente. Mas uma
operação daquelas (Vasco não sabia direito de que estava operando, qual a
víscera ou o órgão afectado, que parte da barriga governamental iria abrir e
coser, mas eram detalhes secundários), jamais tentada na Bahia, levava o receio
aos médicos alarmados ante a responsabilidade imensa.
Houvera a recusa do célebre professor da
Faculdade. E a vida do Governador em perigo, os negócios do Estado em abandono,
a política fervendo, a oposição esfregando as mãos na expectativa.
O
apelo dramático de Jerónimo à sua amizade e competência. O ambiente tenso na
sala de operações, um sorriso nos lábios do médico, sua perícia, sua calma, seu
sangue-frio e sua ciência acumulada.
Extraía da barriga ilustre um... o quê?
Uma pedra enorme, já ouvira falar de pedras nos rins, qualquer coisa
definitivamente mortal e incurável.
Os estudantes não resistiam, explodiam
em palmas e vivas, os mestres da Faculdade vinham cumprimentá-lo.
Um homem salvo da prisão, salva a vida
do Governador, transferia-se para o campo e a engenharia: Doutor Vasco Moscoso
de Aragão, engenheiro-civíl, com estudos especializados e prática na Alemanha,
rasgando o sertão inóspito com os trilhos da ferrovia a conduzir o progresso.
Sob o sol escaldante, em meio à caatinga
bravia, à frente das turmas de trabalhadores, o suor a molhar-lhe a fronte
pensativa, os obstáculos a vencer, o desânimo e o cansaço. E aquela montanha,
um tanto forçada na paisagem árida e plana, a fechar o caminho ao progresso e
aos trilhos.
O túnel, obra imortal, um dos maiores do
mundo, citado nos manuais de Geografia. O dia da inauguração: o maqui nista cedia-lhe o posto.
Ao grande engenheiro, ao homem que
vencera o deserto, as montanhas e o rio, competia conduzir a primeira
locomotiva revestida de flores.
Vinha Dorothy, subitamente esposa do
antipático Secretário da Viação, um tipinho à-toa e metido a besta, que tratava
com displicência o comerciante Aragãozinho, o amigo de Jerómino e do Tenente
Lídio Marinho, estendendo-lhe dois dedos no cumprimento formal e distante;
vinha Dorothy comovedoramente bela e, enquanto rompia contra os ferros da locomotiva
a garrafa de champanhe inaugural, buscava com os olhos o engenheiro festejado,
havia entre ele e a inesperada esposa do Secretário um tímido namoro.
O Major Vasco Moscoso de Aragão, da
Cavalaria, pois a cavalo era muito mais digno e romântico, desfilava à frente
das tropas, sua voz de comando, sua prosápia, seu porte marcial, condecorações
ao peito.
E como a guerra não pudera ser evitada,
os exércitos argentinos invadindo traiçoeiramente as fronteiras do Rio Grande,
a parada do 7 de Setembro transformava-se no embarque da tropa para o Sul, no
caminho do dever, da glória e da morte.
O povo todo da cidade reunido nas ruas,
as mulheres em pranto abraçando os soldados, as moças atirando pétalas de rosas
no caminho.
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