OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 48
Se transcrevo a
Tivesse eu um título de doutor e ele
teria sido mais amável e cordial. Ele e toda a crítica. Em vez de destratar-me,
seria um coro de elogios. Esses críticos apressados deviam tomar conhecimento
da referência feita ao meu trabalho por um historiador eminente de São Paulo, o
doutor Sérgio Buarque de Holanda, a quem eu nem sequer havia mandado o volume
por desconhecer-lhe, confesso, a existência e a glória.
No Estado de São Paulo, num artigo a
propósito de certa Benemérita e Venerável Ordem do Hipopótamo Azul, aludiu ele
aos Vice-Presidentes da República, citando-o como um dos livros de cabeceira
daquela douta instituição, volume, acrescentava, que é “um gozo, uma verdadeira
delícia”.
Propunha inclusive, em seu evidente
entusiasmo pela obra, minha candidatura para a Venerável Ordem, em cujos
quadros parecia-lhe indispensável figurasse meu obscuro nome.
Da Ordem sei apenas o que sobre ela escreveu o
Dr. Holanda, numa linguagem um tanto esotérica e confusa como, aliás, deve ser
a linguagem de um verdadeiro historiador.
Consegui depreender, no entanto,
tratar-se de instituição de elevados méritos e objectivos, fundada na igreja de
São Pedro dos Clérigos, em Recife, por figuras exponenciais de nossa
intelectualidade.
Infelizmente não voltei a ter notícias nem
da Ordem nem de minha candidatura tão generosamente lançada pelo Dr. Sérgio de
Holanda. Certamente procederam a investigações, descobriram que não sou doutor,
sabotaram-me.
Palavras de lato louvor, desvanecedoras,
mereceu o livro igualmente do nosso ilustre juiz aposentado, Dr. Alberto
Siqueira. Apontou-me ele dois ou três insignificantes cochilos gramaticais, mas
afirmando não passarem tais deslizes de nonadas desprezíveis em obra tão
meritória e patriótica.
Os deslizes fá-los-ei desaparecer numa segunda
edição próxima, pois esgotei praticamente os qui nhentos
exemplares da primeira, apesar da má vontade das livrarias - falta-me o
prestígio de um título - que não lhe concederam vitrinas nem boa exposição nos
balcões, escondendo-o nas prateleiras.
Vendi-o eu mesmo, a amigos e conhecidos,
um aqui , outro acolá, variando no
preço conforme a bolsa do comprador.
Tudo isso prova de sobejo não faltarem
motivos ao Comandante Vasco Moscoso de Aragão para melancolias e preocupações.
Um título recomenda um nome, dá-lhe importância, abre portas e braços, força a
consideração.
Tanto isso é verdade que mesmo pessoas
as mais simples sentem a agudeza do problema. Ainda há alguns dias, Dondoca,
canora patativa cujo gorjear constante alegra as monótonas existências do
Meritíssimo e deste vosso criado, comunicou-me, entre beijos, sua próxima e
solene formatura, com quadro e beca.
Guardara segredo de seus estudos para fazer-me
uma surpresa. E a fez das maiores, a nossa galante Dondoca (nossa: isto é,
minha e do juiz, bem entendido) mal sabe assinar o nome e conta pelos dedos
longos e formosos.
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