Francisco Seixas da Costa |
Realismo
Francisco Seixas da Costa
Terá a Europa sabedoria para parar e reflectir sobre o que aconteceu nas eleições europeias? Terão as suas instituições suficiente elasticidade estratégica para poderem acomodar mudanças à altura dos desafios limite com que está confrontada? Terão as suas lideranças capacidade para pilotarem um processo de reorientação que ainda salve o projecto europeu?
Não sou dado a alimentar premonições catastróficas, mas tenho a
sensação, porventura exagerada pelo impacto do passado fim de semana, de que o
projecto europeu volta a atravessar um dos seus tempos mais delicados.
Já
tivera um desses períodos, a partir do momento em que a crise financeira se
desencadeou, quando descobriu, com patética surpresa, que não dispunha de mecanismos
para acorrer à assimetria diferenciada das situações que tinham ocorrido no seu
seio.
Agora, o desafio é outro, embora decorrente do anterior. A Europa
é confrontada com tensões nos seus variados equi líbrios
nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma
desconfiança muito profunda sobre se o projecto de integração responde aos seus
anseios ou se não é, ele próprio, fautor do problema.
E o facto dessa atitude
assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas
nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa,
enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de
forma eficaz, a este imenso desafio.
"What went wrong?" titulava, há anos, um livro sobre o
curso da civilização árabe. Definitivamente, e se queremos ser práticos, temos
de deixar-nos de discursos grandiloquentes e passar a uma
"desconstrução" fria das razões deste mal-estar, do que "correu
mal" e porquê, sem subscrevermos necessariamente as teses eurocépticas,
mas igualmente sem nos deixarmos embalar pelas sereias do politicamente correcto
bruxelense.
Há uma diversidade nacional de situações a atender, mas parece
haver alguns elementos comuns que lhes estão na génese.
Sem pretender simplificar, neste curto espaço, uma realidade muito
complexa, quero crer que foi o excesso de ambição que prejudicou a Europa.
Ambição em queimar etapas no aprofundamento das suas políticas, sem atender
suficientemente à sua imensa diversidade interior, sem cuidar em instalar
previamente mecanismos compensatórios à altura da dimensão do projecto.
Ambição em colocar sob a pressão da globalização, económica e
humana, um tecido económico muito desigual e com tradições culturais díspares e
frequentemente contraditórias.
Ambição em querer responder estrategicamente, com alguma
precipitação temporal, à demanda gigantesca que o alargamento ao seu Leste
representava. Pode não ser popular afirmar as coisas assim, mas acho que chegou
o tempo de olharmos de frente a realidade.
E como a História não admite becos, temos rapidamente de criar uma
saída para este impasse.
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