quinta-feira, maio 22, 2014

O senhor é o Comandante
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)



Episódio Nº 86








Sem querer confessar a si mesmo o íntimo desejo de frequentar a agradável companhia das rameiras: guardava dos seus tempos de moço, dos castelos e pensões de Salvador, das aventuras em esconsos portos perdidos do Pacífico, amável e grata recordação das mulheres da vida.

Com elas sabia conversar, não lhe custava trabalho a prosa, não precisava medir as palavras como era obrigado a fazer com as passageiras de primeira, moças e senhoras de representação, algumas de nariz torcido.

Concluiu ser o navio um mundo em miniatura, onde havia de tudo, desde os homens ricos e poderosos, os políticos e os banqueiros, até as pobres mulheres cujo negócio é a sua graça, cujos instrumentos de trabalho são sua sedução e seu corpo.

 E ele o indiscutido rei daquele mundo, o comandante, a maior autoridade a bordo, sem contestação, sem limitações a seu poder.

Naquela mesma manhã, ao subir à ponte antes do almoço, arriscara um comentário craco, conversando com o comissário, em relação ao jantar da véspera. Aquela sopa, aquele peixe, tivesse paciência o comissário, não eram pratos a serem servidos com mar encapelado.

Nos grandes navios estrangeiros, tomava-se muito cuidado com esses detalhes. O imediato, que assistia à conversa, deu-lhe inteiro apoio, com insistência e veemência até exageradas para assunto tão secundário:

- Mas o senhor tem toda razão, Comandante. É uma falha lamentável, não deve ser repetida. É o que eu sempre digo: nada tão importante num barco quanto um comandante capaz.

- Não é que eu queira me meter... Mas o senador, por exemplo, o pobre quase não provou da comida.

O comissário ouvira de cenho franzido, mas ante a firme posição do imediato, mudou de atitude, tornou-se humilde e desculpou-se:

- Realmente, Comandante, esqueci-me de consultar o serviço meteorológico, antes de estabelecer o menu. Não voltará a acontecer. Aliás, o melhor é, de agora em diante, sujeitar o cardápio à sua aprovação.

- Sim, isso é o melhor... - apoiou o imediato.

- Não, senhores, não é preciso. De jeito nenhum. Eu, repito, não quero envolver-me em nada, estou aqui apenas...

- O senhor é o Comandante.

Gostara daquilo, sobretudo da impecável atitude do imediato, rapaz simpático aquele Geir Matos, recomendá-lo-ia à Costeira ao fazer o relatório da viagem.

Em tão poucas horas de travessia e convivência, já sua popularidade afirmava-se entre os passageiros. Conversava com uns e com outros, informava sobre a velocidade do navio - treze milhas horárias, milhas marítimas, é claro - a hora da chegada em Recife, a da partida, fazia-se modesto quando lhe recordavam os feitos marítimos e perguntavam o motivo da condecoração.

 Modesto, não porém rogado.

Assim, pela tarde, viu-se rodeado, na sala de estar, de enorme grupo a beber-lhe o saboroso relato de suas aventuras. Contou primeiro de uma tempestade no Mar de Bengala, num barco cargueiro de bandeira inglesa e tripulação quase toda hindu. Iam de Calcutá para Akyab, nas costas da Birmânia.

Aquela é uma rota sempre perigosa, batida pelas monções, perturbada pelas correntes marítimas. No entanto nunca vira, nas inúmeras vezes que atravessara aquele mar incerto, tal fúria dos elementos.

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